Tendências e transformações jurídicas: O novo Código Civil e o Direito Digital em foco
Por Beatriz Leite de Andrade e Eduarda Chacon
Em agosto de 2023, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSB), instituiu uma Comissão de Juristas (ATS 11/2023) com o intuito de revisar e modernizar o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Desde então, o referido grupo conduziu diversas atividades, incluindo reuniões, audiências públicas e debates, com o objetivo de deliberar sobre a pertinente atualização do mencionado arcabouço normativo.
Em um marco significativo, no dia 17 de abril de 2024, Pacheco recebeu da Comissão designada a minuta da proposta do novo Código Civil. Dentre as inovações propostas, destaca-se a introdução de um livro dedicado ao Direito Digital. Atualmente, o texto aguarda análise no Senado e, quando aprovado, será encaminhado à Câmara dos Deputados.
A inclusão do Direito Digital como um livro independente no âmbito do Código Civil é motivada primordialmente pela necessidade premente de uma legislação que acompanhe e regule eficazmente as dinâmicas relações e situações jurídicas emergentes no contexto digital contemporâneo. Conforme destacado pelo Presidente da Comissão de Juristas e Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luiz Felipe Salomão, a inclusão do direito digital é defendida com a proposição de um livro que “dialoga com todos os outros” (TV SENADO, 2024).
À luz do incessante progresso tecnológico e da crescente integração da sociedade às plataformas online, torna-se imprescindível a adaptação do arcabouço legal para enfrentar os desafios e nuances desse novo cenário jurídico. O delineamento do Direito Civil Digital não se limita à transposição de conceitos tradicionais para o meio digital, mas almeja a introdução de novas premissas e regulamentações que assegurem a integridade, a transparência e a eficiência das interações digitais.
Nesse sentido, a revisão legislativa visa, em tese, a incorporação no texto legal daquilo que a jurisprudência atual já tem delineado, bem como dos entendimentos doutrinários que ainda não foram expressamente positivados (AGÊNCIA SENADO, 2024). Tal empreendimento reflete a busca por uma atualização normativa que esteja alinhada com as demandas e evoluções do campo jurídico, garantindo, assim, uma maior coerência e eficácia na aplicação das normas civis.
Quanto à estruturação, o anteprojeto propõe a inclusão de um livro dedicado ao Direito Digital, o qual abarcará diversos tópicos essenciais, tais como: Direito Civil Digital, questões relativas à pessoa no ambiente digital, situações jurídicas específicas desse contexto, garantias de um ambiente digital transparente e seguro, tratamento do patrimônio digital, considerações sobre a presença e identidade de crianças e adolescentes online, regulação da inteligência artificial, normas para a celebração de contratos por meios digitais, uso de assinaturas eletrônicas e a implementação de atos notariais eletrônicos (e-notariado) (BRASIL, 2024).
O anteprojeto apresenta uma extensa lista de princípios fundamentais do Direito Civil Digital, abrangendo várias áreas essenciais para o funcionamento ético e equitativo do ambiente digital. Estes princípios incluem, entre outros, o respeito à privacidade e proteção dos dados pessoais, a garantia da liberdade de expressão, a preservação da intimidade e imagem das pessoas, o estímulo ao progresso econômico e científico, a promoção da concorrência, a busca pela inclusão social e a salvaguarda dos direitos humanos e da dignidade das pessoas (BRASIL, 2024).
Além disso, e polemicamente, a proposta propõe a eliminação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, relativo à responsabilidade civil dos provedores de aplicativos de internet por conteúdo de terceiros. Esta iniciativa é parte de uma série de esforços – de razoabilidade duvidosa – para reformar o referido dispositivo, incluindo demandas em curso perante o Supremo Tribunal Federal (sobre sua constitucionalidade), bem como o “PL das Fake News” (PL 2630/2020), que busca, na prática, revogar o artigo 19 e introduzir novas obrigações para as empresas do setor.
Por fim, para atender às novas diretrizes que serão estabelecidas pelo novo Código Civil, em alinhamento com as legislações já em vigor, como o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e normativas relacionadas, as empresas do setor de telecomunicações e tecnologia que operam no Brasil precisarão reajustar suas políticas de privacidade, segurança e uso de dados.
Essas adaptações demandarão uma certa revisão das práticas de tratamento de dados pessoais, bem como a implementação e atualização de medidas robustas de segurança da informação e proteção da privacidade dos usuários.
Significa fizer que, embora atualmente já exista consciência no mercado acerca da importância de dar a devida atenção às exigências legais e procedimentais para assegurar a conformidade com as normativas em vigor a respeito do uso seguro de tecnologias e proteção de dados pessoais, o novo código civil, neste âmbito, teria o propósito de refletir e legitimar ainda mais esta realidade.
Referências bibliográficas
AGÊNCIA SENADO. Juristas concluem anteprojeto de código civil; direito digital e de família têm inovações. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/05/juristas-concluem-anteprojeto-de-codigo-civil-direito-digital-e-familia-tem-inovacoes. Acesso em: 01 de maio de 2024.
BRASIL. Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Brasília, 2024. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9589177&ts=1713537886301&disposition=inline. Acesso em: 01 de maio de 2024.
TV SENADO. Ministro Luis Felipe Salomão fala sobre relatório final que muda Código Civil. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1tnD15p1f-o. Acesso em: 01 de maio de 2024.