Redes sociais e eleições: 7 propostas para um uso consciente
Texto publicado originalmente na plataforma Medium
Não existem mais dúvidas de que as redes sociais se tornaram o principal ambiente de debate eleitoral. Se há pouco mais de dez anos, após o entusiasmo com a campanha de Obama de 2008, a ciência política se questionava como e em que medida a internet iria alterar o cenário eleitoral, a pergunta atualmente é de se ela deve ser vista como instrumento potencializador da participação democrática ou catalisador das ruínas das democracias modernas.
No Brasil, essa transformação consolidou-se com as eleições de 2018, com mudanças significativas do ponto de vista normativo e da prática da realização das campanhas. Sob a perspectiva legal, tratou-se da primeira eleição em que a mil-vezes reformada Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97) passou a permitir a propaganda eleitoral paga na internet (o chamado impulsionamento de conteúdo nas redes sociais e mecanismos de busca). As eleições também contaram, pela primeira vez, com um preciso marco normativo do TSE regulamentando a propaganda eleitoral na internet, privilegiando a liberdade de expressão do eleitor e delimitando o papel dos provedores de aplicação nos termos do Marco Civil da Internet. Na prática e do ponto de vista da ciência e marketing políticos, a diferença foi ainda mais radical: por todo o país, e inclusive para a Presidência da República, foram eleitos candidatos com pouco ou quase nenhum tempo de propaganda na rádio e televisão — elemento até então considerado decisivo para o sucesso nas urnas. A campanha na internet mudou de forma profunda as expectativas e os resultados das eleições e não há sinais de reversão dessa realidade.
Entre decepções e avanços — típicas de um país cada vez mais dividido no campo político -, há inúmeros aprendizados extraídos da experiência de 2018. O debate sobre o marco regulatório das redes sociais no campo eleitoral tornou-se global. Dentre os principais temas em debate, há questões como o sempre atual assunto da desinformação (fake news), o compartilhamento de mensagens em aplicativos de bate-papo, o uso de bots. A melhor forma de realizar esse debate é olhando para frente: saber aprender o que deu certo e errado no passado para, a partir daí, instituir mecanismos de regulação e controle que realizem o devido equilíbrio entre a liberdade de expressão dos eleitores e dos agentes políticos, de um lado, e da higidez no processo eleitoral e do debate público, de outro. É possível explorar a potencialidades controlando as vicissitudes, na medida em que respeitem o pluralismo político e a liberdade de expressão. Trata-se do grande desafio das democracias contemporâneas. No Brasil, essa visão ainda engatinha, como fica claro do debate no Congresso sobre o “PL das fake news” (Projeto de Lei n° 2630/2020, que “Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”) — movido muito mais como tentativa de impor amplo controle estatal sobre o conteúdo na internet do que em aperfeiçoar práticas e experiências.
Nem tudo, porém, resolve-se no plano institucional. Enquanto as instituições discutem o tema em verdadeiro movimento de reforma e contrarreforma, as eleições de 2020 se aproximam. Parte relevante da questão está em saber como nós, cidadãos, podemos aproveitar esse potencial para uma campanha mais informativa e limpa — seja para nos ajudar a tomar nossas decisões, seja para contribuir para um debate político menos poluído. Sem a pretensão de esgotar o tema, os 7 bullets points a seguir podem ajudar a, objetivamente, guiar o nosso comportamento para um uso consciente das redes sociais nesse período.
1. O que você faz, curte e compartilha importa — mas entenda como
Há cada vez mais evidência na ciência política de que os debates políticos nas redes sociais têm pouca influência para mudar efetivamente a posição política das outras pessoas. Não há nisso nenhuma novidade: desde a década de 70 e 80, estudos que demonstram que a propaganda na televisão não serve para influenciar eleitores já decididos. Mas, nem por isso, a propaganda política tornou-se menos relevante (pelo contrário). É que, apesar disso, o que é dito e repetido no debate político importa e muda eleições: os anúncios eleitorais e debates políticos trazem à baila novos assuntos e temas, criam novos argumentos para convencer os seus pares a se mobilizarem ou incentivam as pessoas a saírem de casa para votar. Além disso, mesmo em ambientes políticos divididos, há sempre as pessoas sem preferências políticas específicas e que estão dispostas a ouvir a opinião da sua rede de apoio para decidir o seu voto.
Tudo isso é verdade para as redes sociais. Cada um de nós é apenas um voto, mas o que fazemos dentro de suas redes de conexões será percebido pelos outros — e assim sucessivamente até que, em um cenário maior, o comportamento das pessoas muda efetivamente o rumo das eleições. Para isso é muito menos importante discutir com pessoas que já têm posições políticas sedimentadas. Procure criar redes de apoios com seus pares, compartilhar e interagir com conteúdo que vai chamar a atenção para determinados temas no debate político. Mesmo dentro de grupos de eleitores com inclinações similares — por exemplo, eleitores de esquerda ou direita — há inúmeras divergências internas que podem ser endereçadas para que convirjam a um entendimento comum ou aceitem concessões frente a um adversário comum. Identifique quem é o seu público e suas conexões e dialogue com essas pessoas. Privilegie conteúdo próprio, novos olhares e pontos de vistas para oferecer ao seu público — isso contará mais do que reproduzir frases prontas ou ideias batidas.
2. Memes: use com moderação
Os memes se tornaram a linguagem por excelência das redes sociais, muitas vezes lembradas mais por seus defeitos do que suas virtudes. Os memes representam o lado bem humorado das redes e podem ilustrar o que de mais positivo podemos encontrar na internet. Eleições e humor sempre andaram juntos: um dos julgados mais paradigmáticos do STF em matéria de liberdade de expressão tratou justamente de reconhecer que as críticas e paródias de candidatos por meio do humor não devem ser censuradas ou restringidas.
As campanhas eleitorais sabem disso e estão cada vez mais conscientes de que devem utilizar memes a seu favor. Tem sido cada vez mais comum que os candidatos, suas campanhas e apoiadores joguem esse tipo de conteúdo nas redes para aumentar o engajamento em torno de determinado político ou questão. Ao compartilhar um meme de zoação a determinado candidato, estamos chamando mais atenção para ele (ou a seus adversários). Historicamente, a “propaganda negativa”, com críticas aos candidatos (mesmo com humor) têm sido um dos principais meios para ganhar eleições. Continue usando os memes, mas reflita sempre qual interesse oculto pode haver por trás dessas peças desinteressadas e se você quer realmente gerar esse tipo de engajamento em torno de alguém.
3. Saiba diferenciar o que é conteúdo orgânico do que é propaganda
“Conteúdos orgânicos” das redes são os conteúdos produzidos pelos próprios usuários, sem contraprestação financeira ou pagamento pelo seu impulsionamento. Fora do tema eleitoral, há cada vez mais conscientização de que influenciadores devem identificar o que é manifestação pessoal do que é um anúncio, já que as pessoas enxergam os conteúdos de forma diferente. Na seara eleitoral, essa é uma exigência legal: a propaganda paga impulsionada nas redes sociais deve ser textualmente identificada como “propaganda eleitoral” e por meio do CNPJ do responsável pelo pagamento — que deve ser sempre partido ou candidato político.
Mas fique atento a propagandas disfarçadas: em recente decisão, o TSE decidiu que cidadãos não podem fazer propaganda eleitoral paga na internet — ainda que não mencione textualmente um candidato, pode tratar-se de propaganda com finalidade claramente eleitoral. Caso identifique propaganda que não siga essas regras, é possível fazer denúncias, sem maiores ônus, dentro da própria plataforma de rede social ou perante órgãos da Justiça Eleitoral. Da mesma forma, tenha desconfiança de conteúdo, comentários e hashtags reproduzidas em massa, que podem envolver a ação de bots. Engaje-se e compartilhe conteúdos e discussões reais, não debates manipulados por robôs.
4. Desinformação: fique ainda mais atento
A desinformação — popularmente fake news, mas apenas a ideia de “notícia falsa” não representa totalmente a nocividade desse tipo de conteúdo — virou um dos principais temas do nosso dia-a-dia e alcança graves repercussões, que incluem desde linchamentos virtuais à divulgação de toda sorte de inverdades envolvendo a pandemia do coronavírus. Na arena eleitoral, a desinformação tem sido utilizada como instrumento para manipular o debate público e fomentar o ódio e a divisão entre os adversários. No mais das vezes, as pessoas divulgam e compartilham desinformação porque gostariam que a notícia fosse verdadeira. Mais do que nunca, tenha responsabilidade sobre o que compartilha e divulga — desconfie sempre, e especialmente quando receber algo que lhe pareça muito agradável. Uma pequena busca na internet pode revelar se a notícia é verdadeira ou não. O Brasil já conta com inúmeras agências independentes de checadores de notícias, que se destinam justamente a verificar se determinadas notícias que viralizam nas redes são reais ou não. Afora casos patológicos (mais uma vez, desconfie da ação de bots), as informações são disseminadas por pessoas. Como cidadãos, cabe a nós nos conscientizar e refletir antes de compartilhar algo que seja uma mentira.
5. Microdirecionamento e uso de dados: saiba identificar
Outro debate que ganhou importância nos últimos tempos tem sido a do uso de dados nas redes sociais. O tema foi disciplinado, no Brasil, pela Lei Geral de Proteção de Dados, que acaba de entrar em vigor. De forma sintética, e como regra geral, a lei prevê que o uso de dados pelas redes sociais pode ser justificado quando houver consentimento expresso do usuário quanto ao seu uso e explicação da sua finalidade. Uma das finalidades mais comuns é o direcionamento de publicidade: por este meio, as plataformas de redes sociais permitem que determinadas propagandas cheguem a seu público-alvo, dentro de certos limites. O mesmo acontece com a publicidade eleitoral paga na internet, que pode ser direcionada a determinados usuários. Ao receber uma propaganda política paga, busque identificar, pelos instrumentos disponíveis na plataforma, por que ela foi direcionada a você. Em caso de dúvida, faça um check up sobre privacidade e uso de dados nos termos de uso da rede social (você concordou com eles em algum momento). Isso o ajudará a identificar o motivo pelo qual você recebe determinados tipos de propaganda política e o tornará mais consciente sobre seu comportamento nas redes — o que você faz, comenta, compartilha e consome tem grande impacto em como a rede social aparece para você.
6. Busque romper a sua bolha
Um dos fenômenos considerados responsáveis pela crescente divisão política nas democracias contemporâneas são as chamadas “bolhas” nas redes sociais: por conta do nosso próprio comportamento nas redes e em razão dos mecanismos de funcionamento das plataformas (cujos algoritmos tendem a privilegiar conteúdos que possam ser de interesse do usuário), os indivíduos se dividiram cada vez mais em “bolhas”, produzindo e consumindo conteúdo somente de pessoas com posições políticas similares. É natural que a gente busque redes de apoios de pessoas que tenham interesses próximos e que pensam de forma parecida conosco, sobretudo em matérias políticas divisivas. Reconheça o papel empático da sua bolha e se fortaleça com ele, mas nunca deixe de olhar para fora. Pode parecer mais confortável, mas também evite jogar a culpa da sua bolha no “radicalismo político”. Certamente haverá posições antagônicas às suas que não tenham sido tomadas por esse radicalismo, manipuladas por bots ou desinformação. Leia veículos de imprensa com posições com as quais não concorda e siga perfis de pessoas que pensam diferente de você. Isso não fará necessariamente com que você mude de ideia. Mas poderá o fazer enxergar outros posicionamentos com mais empatia ou entender os argumentos contrários, ainda que seja para discordar e fortalecer suas opiniões.
7. Entenda e respeite os seus limites
A Justiça Eleitoral brasileira é caracterizada, historicamente, por um alto grau de intervenção na propaganda eleitoral e debate político. Adicionalmente, o Brasil é um dos países que mais removem conteúdo na internet no mundo. Isso criou um ambiente favorável à censura, em que os atores eleitorais correm à Justiça para remover conteúdo desfavorável nas redes sociais. Há um movimento nos últimos anos que visa privilegiar a liberdade de expressão dos eleitores nas redes sociais: em suas últimas normativas eleitorais sobre propaganda política, o TSE destaca que a intervenção do Judiciário sobre o debate eleitoral deve ser mínima. Reconheça que a internet traz possibilidades que nunca existiram de participação democrática e sinta-se parte disso. Antes de votar em um candidato, busque se informar se ele buscou remover publicações da internet — haverá tentativas mais próximas de censura e outras que podem ser legítimas, como evitar a propagação de desinformação.
Embora seja importante aproveitar esse espaço de liberdade, lembre-se de que já há algum tempo se abandonou a premissa — que era falsa desde o início — de que a internet é uma terra sem lei. Tudo o que você faz nas redes sociais deixa registros ou rastros. Mesmo por meio de pseudônimos e contas fake, é possível aos ofendidos chegarem no responsável pela publicação por meio desses rastros. A lei continua punindo a calúnia e difamação contra a honra de pessoas, e isso é especialmente mais rigoroso durante o período eleitoral. Evite agir no impulso e meça sempre suas críticas — reflita se é algo que você pessoalmente numa discussão, em uma mesa de jantar. Possivelmente você vai querer falar as mesmas coisas, mas em um tom diferente. Repudie e não faça parte de linchamentos virtuais contra pessoas em específico — especialmente no debate político, as críticas devem ser dirigidas contra as ideias, não as pessoas. E, por fim, conheça os benefícios de tentar ficar offline por uns dias ou em determinados momentos, especialmente nos mais calorosos. Em um mundo em que a política cada vez mais se discute virtualmente, talvez o próximo passo seja voltarmos a aprender a importância da política real, corpo a corpo — quando a pandemia passar, claro.