Privacidade digital e direitos fundamentais: A VPN como apoio na proteção de dados pessoais

Por Rafael Jacopi e Celina Calvão Pereira

A digitalização da sociedade contemporânea ressignificou o conceito de privacidade, consolidando-a como um eixo estruturante dos direitos fundamentais e uma garantia indispensável à preservação da dignidade humana em democracias modernas. Ferramentas como as VPNs (Virtual Private Networks), projetadas para garantir segurança e privacidade no ambiente digital, afirmam-se como instrumentos essenciais em um cenário no qual dados pessoais ultrapassam a esfera individual, assumindo o caráter de ativos estratégicos e relevância política.

No entanto, o uso dessas tecnologias expõe tensões entre a liberdade individual, como expressão do direito à autodeterminação informacional, e a exigência de medidas legais e regulatórias destinadas à proteção do interesse público e a manutenção da ordem jurídica. Nesse contexto, as VPNs representam um desafio singular ao campo jurídico, demandando reflexões sobre os limites e as responsabilidades que equilibram o exercício da liberdade pessoal com a eficácia das decisões judiciais e normas aplicáveis no ambiente digital.

Traçando um breve panorama histórico, a humanidade sempre cultivou um apreço pela preservação do espaço privado, tanto geograficamente quanto subjetivamente. Exemplos disso podem ser encontrados em episódios da Antiguidade ocidental, como a retirada de Aquiles do campo de batalha durante a guerra de Tróia1, bem como na arquitetura do Palácio de Versalhes, onde a realeza francesa idealizou ambientes exclusivos para garantir um convívio restrito e seletivo. No entanto, a formalização jurídica do direito ao isolamento, relacionado ao conceito moderno de privacidade, surgiu apenas em 1890, com a publicação do artigo “The Right To Privacy”23, de Samuel Warren e Louis Brandeis. Esse marco pioneiro, inspirado pelas inovações tecnológicas da época, como a fotografia, instituiu uma proteção contra invasões à privacidade – preocupação que ressoa, em muitos aspectos, com os desafios contemporâneos da vigilância digital e da exposição de dados a que estamos hoje sujeitos.

Atualmente, o direito à privacidade vai além do conceito de isolamento, abrangendo o controle sobre dados pessoais e a autonomia informacional, especialmente no ambiente das redes sociais. Privacidade, sob essa nova perspectiva, não se limita ao afastamento dos espaços públicos ou ao isolamento do indivíduo, mas reflete a capacidade de gerir ativamente quais aspectos de sua identidade serão compartilhados, preservados ou expostos. Nas redes sociais, esse entendimento é essencial, pois os usuários estão constantemente sujeitos à coleta de dados, perfis de consumo e mecanismos de monitoramento, exigindo uma proteção que vá além da mera confidencialidade. Nesse contexto, as VPNs emergem como ferramentas cruciais para promover o empoderamento informacional e a autodeterminação nas interações digitais, conferindo ao usuário a capacidade de se proteger contra o uso indevido de seus dados e reforçar seu domínio sobre a própria privacidade no universo digital.

Em um ambiente digital onde cookies, coleta contínua de dados e rastreamento de comportamentos são onipresentes, a Lei Geral de Proteção de Dados institui salvaguardas relevantes à proteção da privacidade no Brasil. Ainda assim, ferramentas como a VPN atuam como camadas adicionais de defesa. Ao criptografar a conexão e ocultar o endereço de IP do usuário, a VPN oferece uma malha de segurança em um contexto no qual os dados pessoais tornaram-se ativos de valor econômico, estratégico e político. Exemplos como o caso Facebook-Cambridge Analytica4 ilustram de forma contundente a manipulação de dados e como a exploração indevida dessas informações pode influenciar processos democráticos e comprometer a autonomia dos cidadãos.

Nesse contexto, a VPN ultrapassa seu uso inicial, anteriormente restrito ao acesso de conteúdos bloqueados geograficamente (“geo-blocking”), e se consolida como uma ferramenta alternativa para a preservação da privacidade em sociedades democráticas. Em um cenário onde dados pessoais são cada vez mais utilizados para controle, a VPN assume um papel importante na defesa de direitos fundamentais, como liberdade individual e a segurança digital.

Em conclusão, embora a VPN permita o acesso a conteúdos com restrição geográfica, seu valor ultrapassa essa função, configurando-se como um recurso para a proteção de direitos fundamentais, especialmente em tempos de ameaças crescentes à privacidade e à liberdade individual. Diante do acelerado avanço na coleta, tratamento de dados e vigilância digital, torna-se essencial refletir sobre o papel da VPN na preservação do controle pessoal sobre informações sensíveis, assegurando ao indivíduo a liberdade de decidir como e quando seus dados serão compartilhados.

Essa camada adicional de proteção revela-se especialmente relevante em sociedades democráticas, nas quais o direito à privacidade e à segurança digital são valores intrínsecos à dignidade humana e à autonomia. À medida que o cenário digital se torna mais complexo, é essencial uma reflexão contínua sobre o papel das VPNs e de outras ferramentas de segurança na salvaguarda desses direitos. Ao atuar como um “escudo” contra a exposição involuntária e a vigilância excessiva, a VPN contribui como uma medida eficaz para assegurar que o ambiente digital permaneça um espaço de liberdade e controle sobre as próprias informações.

1 HOMERO. Ilíada. Trad. Frederico Lourenço. Lisboa: Livros Cotovia, 2005.
2 Fonte: The Right to Privacy (artigo) – Wikipédia, a enciclopédia livre. Acesso em: 13/11/2024.
3 Fonte: https://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/Privacy_brand_warr2.html. Acesso em: 13/11/2024.
4 Fonte: https://www.theguardian.com/news/2018/mar/17/cambridge-analytica-facebook-influence-us-election. Acesso em: 13/11/2024.

Privacidade digital e direitos fundamentais: A VPN como apoio na proteção de dados pessoais