Possíveis reflexos da decisão do STF no tema 1232
Por Clarissa Mello da Mata.
O Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1387795, no qual se discute a possibilidade de inclusão de pessoa jurídica de um mesmo grupo econômico em polo passivo de execução trabalhista – ainda que não tenha participado da fase de conhecimento – por maioria de votos reputou constitucional a questão e reconheceu a existência de repercussão geral da matéria suscitada, dando origem ao Tema 1232.
Chama a atenção que, mesmo à luz dos artigos 5º, II, LIV e LV, 97 e 170 da Constituição Federal, restaram inobservadas as regras (i) do artigo 513, § 5º, do CPC, (ii) da normativa emanada da Súmula Vinculante 10, e, ainda, (iii) do determinado nos artigos 133 a 137 e 795, § 4º, do CPC, os quais tratam da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
O tema referente à inclusão da pessoa jurídica do mesmo grupo econômico no polo passivo da execução, sem ter participado da fase de conhecimento era regulado pela Súmula 205 do TST a qual vedava a inclusão do devedor solidário integrante do grupo econômico na execução. Entretanto, em 2003, a referida Súmula foi cancelada e instaurou-se, desde então, enorme controvérsia sobre a questão, haja vista que o TST não regulou os efeitos do cancelamento e não dirimiu a questão.
A jurisprudência pátria trabalhista, assim, passou a interpretar, em sua maioria, a possibilidade de incluir os devedores solidários do mesmo grupo econômico diretamente no polo passivo da execução, promovendo, assim, a necessidade de constrição patrimonial para discussão acerca da responsabilidade e efetiva existência de grupo econômico, bem como limitando o direito de ampla defesa e contraditório daqueles que foram incluídos em execução, por sabidamente não possuírem os mesmos meios de defesa, dilação probatória e amplitude de cabimento de recursos, principalmente ao C. TST, como na fase de conhecimento.
Entretanto, apesar de cancelada a Súmula 205 do TST, o art. 513, §5º do CPC, aplicável subsidiariamente ao Direito do Trabalho, em não havendo norma específica, o que é o caso, dispõe expressamente que “o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”.
Desde então, a polêmica se instaurou e se estende pelos últimos 20 anos, com vários recursos dirigidos aos Tribunais Superiores (TST e STF) sobre a matéria, o que, inclusive, foi utilizado pelo Ministro Luiz Fux na decisão que reputou a questão constitucional e reconheceu a repercussão geral da matéria.
A referida decisão, além de afirmar que a questão “suscitada possui densidade constitucional suficiente para o reconhecimento da existência de repercussão geral, competindo a esta Suprema Corte manifestar-se, por seu Plenário, sobre eventual ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e à cláusula de reserva de plenário, no que concerne à inclusão de empresa no polo passivo de execução trabalhista, em razão do reconhecimento da existência de grupo econômico a ensejar sua responsabilidade solidária pelos créditos devidos ao reclamante, sem que tenha participado da fase de conhecimento”, declarou que “a temática revela potencial impacto em outros casos, tendo em vista a multiplicidade de feitos na origem que versam sobre a mesma discussão jurídica retratada, como revela simples pesquisa de jurisprudência na base de dados desta Corte, que aponta para diversos julgados, seja no campo unipessoal ou por seus órgãos colegiados”.
Fez ainda conexão com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento (ADPF) 488 Rel. Min. Rosa Weber, na qual se discute alegada lesão a preceitos fundamentais resultante de “atos praticados pelos Tribunais e Juízes do Trabalho, por incluírem, no cumprimento de sentença ou na fase de execução, pessoas físicas e jurídicas que não participaram da fase de conhecimento dos processos trabalhistas e que não constaram dos títulos executivos judiciais, sob alegação de que fariam parte de um mesmo grupo econômico”, bem como da ADPF 951, Rel. Min. Alexandre de Moraes, que tem por objeto um conjunto de decisões da Justiça do Trabalho, as quais “reconhecem responsabilidade solidária às empresas sucedidas, diante de simples inadimplemento de suas sucessoras ou de indícios unilaterais de formação de grupo econômico, a despeito da ausência de efetiva comprovação de fraude na sucessão e independentemente de sua prévia participação no processo de conhecimento ou em incidente de desconsideração da personalidade jurídica”.
Finaliza expondo a clara transcendência da questão que extrapola os limites subjetivos da causa, sendo nítida a necessidade de firmar entendimento consolidado pela Corte Superior, bem como reconhece o impacto social e financeiro da controvérsia que atinge diversas empresas no país diariamente.
Na sequência, o caso foi distribuído ao Ministro Relator Dias Toffoli que proferiu decisão monocrática determinando a suspensão “nacional do processamento de todas as execuções trabalhistas que versem sobre a questão controvertida no Tema nº 1.232 da Gestão por Temas da Repercussão Geral, até o julgamento definitivo deste recurso extraordinário”.
Fundamenta sua decisão no fato de o “cenário jurídico, em inúmeros casos de execução trabalhista, tem implicado constrição do patrimônio (não raras vezes de maneira vultosa) de empresa alheia ao processo de conhecimento que, a despeito de supostamente integrar grupo econômico, não tenha tido a oportunidade de ao menos se manifestar, previamente, acerca dos requisitos, específicos e precisos, que indicam compor (ou não) grupo econômico trabalhista (o que é proporcionado somente após a garantia do juízo, em embargos à execução)” e que “o tema é objeto de discussão nas instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho há mais de duas décadas, ocasionando, ainda hoje, acentuada insegurança jurídica”.
A determinação de suspensão nacional do processamento das execuções trabalhistas presa a segurança jurídica para a prevalência do entendimento consolidado que será proferido pelo E. STF em breve, porém também traz em si a urgência na decisão considerando a suspensão de milhares de execuções que obstam o recebimento de crédito trabalhista por milhares de trabalhadores.
A decisão que reconheceu a repercussão geral em compasso com a decisão que determinou a suspensão nacional dos processos envolvendo o tema, fizeram nascer diversas discussões na doutrina e nos Tribunais Regionais do Trabalho quanto aos possíveis impactos e reflexos da futura decisão do STF sobre o tema.
A questão não é simples e direta. A decisão de afastamento da possibilidade de inclusão do devedor solidário do mesmo grupo econômico em fase de execução deve ser regulada com modulação de efeitos sobre as ações/execuções em curso, objetivando que os credores trabalhistas não sejam prejudicados, ficando impedidos de buscarem seus créditos contra outros devedores que também sejam responsáveis.
Ao passo que deve ser proposto procedimento que garanta ao devedor todos os meios de defesa próprios da fase de conhecimento, tanto quanto à produção de prova quanto à amplitude recursal sem as limitações do Recurso de Revista em fase de execução.
A mera limitação à indicação de todos os possíveis devedores solidários já na petição inicial pode trazer tumulto processual, indo de encontro ao princípio da celeridade processual próprio do direito do trabalho, sendo que, sem sombra de dúvidas, a pluralidade de réus desde a inicial torna o processo mais complexo, mais oneroso e mais moroso. Ainda, há de se pensar nos custos para as empresas de contratação de advogados e no acompanhamento de processos, com as custas envolvidas, sendo que, em muitos casos nem seria necessário se direcionar a execução ao devedor solidário lá na frente.
Muito se fala na proposição de um formato de um incidente para declaração do grupo econômico, como o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ). Porém, é importante lembrar que quando apresentado em fase de execução, o IDPJ apesar de não mais necessitar da garantia do juízo, o que deixa de onerar o devedor com constrições patrimoniais desnecessárias e às vezes injustas, não resolve a questão quanto à ampla defesa e ao contraditório, principalmente considerando que o recurso cabível é o Agravo de Petição e o Recurso de Revista somente pode versar sobre violação direta da constituição.
Dessa forma, o novo procedimento a ser proposto pelo STF, para atender às necessidades trazidas pelo Tema 1232, deve ir além do IDPJ e possibilitar também o acesso aos mesmos recursos e meios de defesa da fase de conhecimento, para que o contraditório e a ampla defesa sejam efetivamente garantidos.
Ainda há profunda dúvida quanto ao alcance da decisão no Tema 1232, se estará restrito a grupo econômico ou se, assim como feita a conexão por similitude pelo Ministro Luiz Fux na decisão que reconheceu a repercussão geral com as ADPFs 488 e 951, será também estendido para sucedidas e sucessoras, sócios retirantes, entre outras possibilidades de responsabilidade solidária.
Portanto, o STF tem a complexa missão de dirimir a questão constitucional posta no Tema 1232, mas não só declarar ou não a impossibilidade de inclusão diretamente na execução do devedor, mas sim propor solução que traga segurança jurídica aos litigantes e garanta a efetividade da medida.