O Madero pode afirmar possuir o melhor hambúrguer do mundo? Entenda a legalidade da prática sob a perspectiva do judiciário brasileiro

A publicidade é uma ferramenta fundamental na sociedade de consumo, na qual as empresas utilizam dos mais diversos mecanismos e técnicas publicitárias, como a utilização de linguagens cada vez mais atrativas e dotadas de apelos lógicos, emocionais e persuasivos, para se destacar e convencer o consumidor final a adquirir determinado produto ou serviço.

No dia a dia, mesmo que muitas vezes sem perceber ou saber, somos constantemente expostos a uma técnica de persuasão utilizada em anúncios, intitulada pela doutrina como puffing publicitário. Essa estratégia está presente quando nos deparamos com expressões exageradas e provocativas como “o melhor do mercado”, “o mais saboroso”; “o mais aconchegante”; “o mais acolhedor”; “a melhor comédia”; “o mais tradicional”, “a mais bonita”; “o filme do ano”; etc, para se referir e ressaltar as qualidades de algum produto ou serviço que está sendo anunciado ao consumidor.

Desse modo, ao veicular campanhas publicitárias que utilizam o puffing, as empresas frequentemente utilizam os termos “melhor”, “mais”, “somente”, “primeiro”, “único”, “maior”, dentre outras frases superlativas ou até mesmo imaginativas, que acabam por possuir caráter comparativo, mesmo que de maneira implícita. Tal fato pode ocasionar questionamentos de concorrentes ou consumidores, no âmbito do judiciário e dos órgãos de defesa do consumidor, buscando o reconhecimento da prática de publicidade enganosa pela utilização do puffing em campanhas publicitárias para fins de captação de clientela.

Foi com base nesses argumentos que o Burger King ajuizou uma ação contra o Madero, pleiteando que o Madero não utilizasse mais a expressão “O melhor hambúrguer do mundo” em seus materiais publicitários e na fachada de seus restaurantes. A autora alegou que essa expressão caracterizaria publicidade enganosa, já que, segundo ela, existiriam métricas passíveis de identificar o melhor hambúrguer e a publicidade não estaria acompanhada de qualquer apontamento sobre dados técnicos, fáticos ou científicos aptos a atestar a afirmação. Defendeu, ainda, que a técnica do puffing não estaria presente no caso, sendo totalmente crível aos olhos do consumidor acreditar que de fato aquele produto é o melhor do mundo.

O caso, que corre desde 2016 na Justiça, teve um novo desdobramento no último mês, quando foi proferida sentença que, de maneira acertada, julgou improcedente os pedidos autorais, por entender pela licitude da publicidade do Madero, diante da inexistência de propaganda enganosa ou concorrência desleal. Como se vê na sentença, a Juíza de primeiro grau chegou à conclusão de que:

“O consumidor médio não é inocente a ponto de apreender a informação fornecida em “O melhor hamburguer do mundo” como verdade absoluta. (…) Trata-se, pois, de uma afirmação exagerada que depende de uma avaliação crítica subjetiva para averiguação, sem medida objetiva, dispensada comprovação técnica. (…) O “puffing” nada mais é do que o uso de um claro exagero destinado a enaltecer a característica de um produto. São exemplos dessa prática o uso de expressões como “o melhor produto do Brasil” ou adjetivos como “imbatível”, “perfeito” ou “insubstituível” e, no caso “melhor” (…) Não há, no caso em exame, portanto, caracterização de propaganda enganosa ou concorrência desleal.”[1]

A decisão supracitada está em plena consonância com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 1.759.745/SP, no qual a empresa Unilever questionava as publicidades “Heinz, melhor em tudo o que faz” e “O Ketchup mais consumido do mundo”, puffings publicitários amplamente utilizados pela Heinz, que foram considerados lícitos em primeiro[2] e segundo grau[3] pelo TJSP.

No voto do Ministro relator Marco Buzzi, reconheceu-se expressamente a legalidade do puffing no meio publicitário, diante da fácil compreensão do exagero de qualidades conferidas ao produto ou à marca. Para o Tribunal Superior, não é razoável proibir o fabricante ou prestador de serviço de se autoproclamar o melhor naquilo que faz, já que fica a critério de cada consumidor avaliar as verdadeiras qualidades do produto anunciado[4].

Nesse sentido, para realizar a análise acerca do potencial enganoso de determinado anúncio, deve-se observar qual o caráter atribuído à expressão utilizada na campanha publicitária. Isso porque, nos excessos de caráter objetivo, como nos casos em que determinado anúncio afirma que o produto ou serviço é “o único do mercado” ou possui “o preço mais baixo”, o puffing poderá ser averiguado, de forma que, se existirem outros produtos semelhantes ou produtos mais econômicos do que o do anunciante, a publicidade será tida como enganosa[5]

Já o puffing utilizado pelo Madero, que se refere ao seu hambúrguer como sendo “o melhor do mundo”, adentra na esfera da subjetividade e particularidade de cada consumidor, uma vez que o que é mais gostoso ou melhor para uma pessoa, pode não ser para a outra. Se torna, portanto, impossível comprovar por qualquer mecanismo científico se tais alegações seriam de fato enganosas ou não, pois elas dependem de uma avaliação particular daquele cliente, realizada com base em seu próprio paladar, cultura, hábitos, necessidades e experiências. Logo, existem casos em que essa técnica, ainda que utilizada intencionalmente para atrair o consumidor, acaba não tornando o anúncio enganoso.


[1] TJSP, DJe 12 ago 2024, Processo n. 1121538-63.2016.8.26.0100, Juíza Daniela Dejuste de Paula

[2] TJSP, Processo n. 1004301-65.2013.8.26.0309, Juiz Dirceu Brisolla Geraldini.

[3] TJSP, Agravo de Instrumento n.  Agravo de Instrumento n. 0172476 93.2013.8.26.0000, Des.Maia da Cunha

[4] STJ, DJe 29 mar. 2023, REsp 1.759.745/SP, Rel. Min. Marco Buzzi.

[5] NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 14. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2021

O Madero pode afirmar possuir o melhor hambúrguer do mundo? Entenda a legalidade da prática sob a perspectiva do judiciário brasileiro