Neurotecnologia em Ascensão: O Mercado Global e a Necessidade de Proteção dos Neurodireitos
Por Henrique Segolin Molina
A recente alteração da Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia (CCPA)[1] reacendeu os debates acerca da necessidade de protegermos os dados, gerados pela atividade cerebral de potenciais usos indevidos, permitindo que os usuários controlem, deletem ou limitem seu tratamento, reconhecendo a ascensão do mercado global com relação às neurotecnologias.
Com a ajuda de uma interface cérebro-máquina (ICMS ou BCIs em inglês), uma pessoa pode controlar e operar dispositivos eletrônicos externos, apenas com os pensamentos, comunicando-se por meio de fala sintetizada, movendo membros protéticos, operando um computador e desempenhando outras funções importantes, que melhoram a qualidade de vida de pessoas com deficiências[2]. Um dos exemplos mais conhecidos dessas ferramentas é o chip neural da Neuralink, que foi implantado no cérebro de um paciente tetraplégico em 2024, permitindo que ele controle um computador.[3]
Já no longínquo ano de 2017, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, expressava uma visão otimista e provocadora sobre o potencial das ICMs para transformar não apenas a medicina, mas também a maneira como interagimos com o mundo ao nosso redor. Em suas palavras:
As ICMs podem transformar a maneira como interagimos com as ferramentas que fabricamos para dialogar com o mundo que nos cerca, a forma como nos comunicamos uns com os outros, bem com a nossa interação com o ambiente distante e outros mundos[4].
O entusiasmo em torno das possibilidades das BCIs resultou em um mercado em crescimento. De acordo com o último relatório da Grand View Research, o tamanho do setor global de ICMs foi estimado em USD 2,0 bilhões, em 2023, e projeta-se que cresça a uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 17,8%, de 2024 a 2030. Os principais impulsionadores do ramo incluem o aumento da prevalência de condições que exigem dispositivos neuro protéticos, o crescimento da população idosa global e os avanços tecnológicos que facilitam a comunicação e o movimento em pacientes paralisados.[5]
No entanto, embora haja grande euforia com os avanços das ICMs, em especial por seu potencial transformador e impacto positivo, principalmente, para pessoas com deficiência, surgem questões associadas ao seu desenvolvimento e uso ético e responsável, diante dos riscos associados ao tratamento de dados neurais[6], emergindo a necessidade de abordarmos aquilo que os eticistas denominaram como Neurodireitos[7], isto é, as regras normativas fundamentais para a proteção e preservação do cérebro e da mente humana.
Diversos países estão se mobilizando para regular o tema dos Neurodireitos e da gestão de dados neurais[8]. Contrariando a regra, no quesito de incorporação desses conceitos aos regramentos jurídicos, o Chile foi o primeiro país no mundo a incorporá-los em sua Constituição[9] – e, inclusive, já julgou o primeiro caso relacionado a esses direitos[10] – demonstrando uma crescente preocupação global sobre a proteção das informações neurais. No Brasil, a discussão sobre tais direitos é alvo de diversas propostas regulatórias e ocupa posição de destaque, no relatório preliminar elaborado pela Comissão de Juristas Responsável pela revisão e atualização do Código Civil[11].
Diante da complexidade das tecnologias envolvidas e da rapidez com que se desenvolvem, a construção de um arcabouço jurídico robusto e adaptável, que equilibre a inovação com a proteção dos titulares, é um desafio que exige uma abordagem colaborativa entre legisladores, cientistas e a sociedade civil.
Com a tendência de sua popularização nos próximos anos, a discussão sobre Neurodireitos nunca esteve tão presente, principalmente, para que possamos avançar com segurança no terreno cada vez mais promissor e incerto das ICMs.
[1] CANTER, Libbie. BRIM, Elizabeth. California Enacts Health AI Bill and Protections for Neural Data. Covington, 2024. Disponível em: https://www.insideprivacy.com/uncategorized/california-enacts-health-ai-bill-and-protections-for-neural-data/ .Acesso em: 16 out. 2024.
[2] ZHANG, Xiayin; MA, Ziyue et al. The combination of brain-computer interfaces and artificial intelligence: applications and challenges. Ann Transl Med, 2022. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7327323/. Acesso em: 16 out. 2024.
[3] GLOBO.COM. VÍDEO: paciente que recebeu 1º implante da Neuralink mostra como chip cerebral funciona. G1, 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/inovacao/noticia/2024/03/20/neuralink-revela-paciente-que-recebeu-1o-implante-de-chip-cerebral.ghtml . Acesso em: 16 out. 2024.
[4] NICOLELIS, Miguel. Muito além do nosso eu: a nova neurociência que une cérebro e máquinas – e como ela pode mudar nossas vidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2017; p.25-28
[5] GRAND VIEW RESEARCH. Brain-computer interfaces market. Grand View Research. Disponível em: https://www.grandviewresearch.com/industry-analysis/brain-computer-interfaces-market. Acesso em: 16 out. 2024.
[6] GENSER, J.; DAMIANOS, S.; YUSTE, R. Safeguarding Brain Data: Assessing the Privacy Practices of Consumer Neurotechnology Companies. Disponível em: https://neurorightsfoundation.org/reports Acesso em: 16 out. 2024.
[7] The Neurorights Foundation. The Five Neurorights. Disponível em: https://neurorightsfoundation.org/mission Acesso em: 16 out. 2024.
[8] UNESCO. Neurotecnologías y derechos humanos en América Latina y el Caribe: desafíos y propuestas de política pública Disponível em: Neurotecnologías y derechos humanos en América Latina y el Caribe: desafíos y propuestas de política pública – UNESCO Digital Library Acesso em: 16 out. 2024.
[9] SOMOSIBEROAMERICA. Neurodireitos no Chile: consagração constitucional e regulação das neurotecnologias. Disponível em: https://somosiberoamerica.org/pt-br/tribunas/neurodireitos-no-chile-consagracao-constitucional-e-regulacao-das-neurotecnologias/ Acesso em: 16 out. 2024.
[10] CHILE, Base Jurisprudencial del Poder Judicial. GIRARDI/EMOTIV INC: 09-08-2023 (CIVIL) APELACIÓN PROTECCIÓN), Rol N° 105065-2023. En Buscador Jurisprudencial de la Corte Suprema. Disponível em: https://juris.pjud.cl/busqueda/pagina_detalle_sentencia?k=L2FadjlzYUdmbGx1UWNKWmV%206ZjZ3dz09 . Acesso em: 16 out. 2024.
[11] SALOMÃO, Luis Felipe et al. Relatório Final – Comissão de Juristas Responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Brasília. Senado Federal, 05.04.2024. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2630 . Acesso em: 16 out. 2024.