Herança Digital

Por Larissa Mesquita Dias e Maria Dé Carli Zisman.

Atualmente, com o grande avanço das tecnologias, as redes sociais têm se tornado cada vez mais importantes para impulsionar a carreira de cantores, influenciadores, figuras públicas em geral, dentre outros. Muitos, inclusive, têm como fonte principal de renda as publicidades que realizam nessas plataformas. Mas o que acontece com essas redes sociais em caso de falecimento? É possível considerar como patrimônio da herança? E, por outro lado, até onde seria vantajoso para as plataformas digitais permanecerem com canais e perfis ativos após o falecimento das pessoas públicas?

Levando como base as perguntas acima, é necessário relembrar o disposto no art. 1.857 do Código Civil, segundo o qual toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. Além disso, em 2022 foi aprovado o enunciado 687 da 9ª Jornada de Direito Civil, que estabelece que “o patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária ou por codicilo”.

Apesar do patrimônio digital poder integrar o espólio de bens, não há legislação que estabeleça limites para utilização das plataformas pelos herdeiros. Caso não seja estabelecido expressamente dentro do documento testamentário, resta a indagação se o uso contínuo da herança digital ou do uso da imagem da pessoa falecida pelos herdeiros permanecerá válida perante a lei. Desse modo, para que não seja contestada, torna-se imprescindível o planejamento sucessório.

Nesse sentido, é importante destacar o entendimento de Júlia Schroeder Bald Klein acerca da herança digital:

Surge, nesse contexto, a chamada “herança digital” ou digital inheritance, em inglês, ou Digitaler Nachlass, em alemão. Trata-se do patrimônio sucessível por ocasião da morte, consistente em bens incorpóreos que estão disponíveis no ambiente virtual. Em outras palavras, herança digital é o conjunto de bens digitais transmissíveis com o falecimento do titular para seus sucessores, sejam legítimos ou testamentários.¹

Pela leitura do excerto, defluir-se que é possível dispor do seu patrimônio digital, como parte do testamento ou os seus sucessores legítimos, caso contrário, a situação fica em um limbo. Um exemplo notório é o caso da cantora Marília Mendonça, em que a família continua administrando suas redes sociais, lançando músicas e produtos após sua morte. Temos que, nesse caso, tanto os herdeiros, como as empresas que abrigam e divulgam sua imagem e herança digital se beneficiam com lucros. Todavia, se fizermos uma interpretação literal com base no art. 5º, X, da CF², bem como no art. 20 do CC³, ambos os artigos versam sobre como é inviolável o uso e, apenas, a pessoa tem direito a uso de forma exclusiva da sua imagem e voz, e sem isso registrado de forma expressa, não há como se falar em herança digital. Ainda que os projetos não tenham fins lucrativos aos sucessores, as plataformas digitais possuem maneiras diversas de monetização, como é o caso da plataforma Youtube, que monetiza por número de inscritos, visualizações, likes, ativação de anúncios, clube de canais, shopping, entre outros, caracterizando-se como um bem digital híbrido.

É sabido que, com a evolução digital, combinado com o avanço do uso da Internet após o período pandêmico, os provedores de aplicação na Internet alcançaram milhares de pessoas ao redor do mundo, o que deu voz e impulsionou o trabalho e a opinião do que conhecemos como influenciadores digitais, youtubers, artistas, políticos, dentre outras figuras públicas. Em razão da elevada aquisição patrimonial em detrimento das redes sociais, não parece ser interessante para a plataforma manter essas contas ativas ad eternum.

Muito embora seja um tema relevante para a sociedade, que está sendo discutido por meio de projetos de lei, como é o caso do PL 8562/17, ainda não há um posicionamento jurídico a seu respeito. A disposição testamentária é a forma mais segura de resguardar os interessados em sua herança digital, portanto, pensar no planejamento sucessório é a melhor maneira de resguardar o patrimônio digital conquistado pelos usuários das plataformas de aplicação da Internet.

¹(KLEIN, Júlia Schroeder Bald. A (in)transmissibilidade da herança digital na sociedade da informação. São Paulo: Dialética, 2021. p. 59.).
²Art. 5º: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
³Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

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