Direito ao esquecimento: considerações sobre o julgamento do leading case brasileiro
No dia 11/02/21, o STF concluiu que é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento que permita, em razão da passagem do tempo, obstar a divulgação de fatos verídicos e licitamente obtidos. A tese firmada no RE 1010606 buscou definir os contornos concretos das liberdades de expressão, informação e imprensa quando em confronto com os direitos à honra, imagem e privacidade.
De início, o Min. Dias Toffoli acertadamente delimitou o escopo do conceito, apontando como elementos essenciais a licitude da informação e o decurso do tempo, que supostamente justificaria a perda do interesse público e tornaria inadequada a sua veiculação. A importância desse balizamento reside no fato de que o termo vinha sendo utilizado como uma expressão “guarda-chuva” que abrangeria o direito à remoção de conteúdo, desindexação de resultados de busca, eliminação de dados etc.
Como se sabe, em regra, não são admitidas restrições ao exercício da liberdade de expressão. A exceção é o uso abusivo desse direito: o conteúdo manifestamente falso ou intrinsecamente ofensivo. Nesse ponto, a Corte entendeu que a vasta proteção conferida aos direitos da personalidade seria suficiente para garantir a tutela da dignidade da pessoa humana. Mas quando se está diante de um conteúdo lícito, o seu apagamento representa uma restrição do livre mercado de ideias com base em um simples juízo de conveniência – algo incompatível com o sistema constitucional brasileiro. Ainda, pontuou que o direito à informação não está submetido a qualquer espécie de prazo, alcançando fatos pretéritos relevantes da história social.
Por fim, o relator concluiu que admitir um tal direito significaria “atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão”. No entanto, tal preponderância equivaleria a uma censura prévia, vedada pela Constituição. Nesse sentido, constatou que o legislador foi propositadamente silente quanto à existência de um direito ao esquecimento, de modo que este não encontra previsão – expressa ou implícita – no ordenamento jurídico pátrio.
Em resumo, é incompatível com a Constituição a ideia de que o mero desejo de alguém não ser lembrado sobre fatos desabonadores do passado possa legitimar restrições à liberdade de expressão. Eventuais excessos ou abusos no seu exercício devem ser analisados caso a caso, à luz da proteção conferida aos direitos da personalidade.