Da validade e eficácia probatória das telas sistêmicas – do direito efetivo à ampla defesa e ao contraditório

Por Rowena Peruchi e Victor Lopes

Não é raro que os advogados de empresas públicas e privadas se deparem com decisões judiciais inadmitindo o uso das telas sistêmicas das empresas como prova no processo civil, ou, até mesmo, decisões que afastam o seu valor probatório.

O argumento utilizado pelos Magistrados, em regra, se consubstancia na ideia de que as telas sistêmicas são provas produzidas de maneira unilateral, isto é, pelas empresas que as utilizam, desconsiderando-as na análise de mérito por serem parciais.

Entretanto, a invalidade das telas probatórias deve ser analisada por outro viés, sobretudo quando se trata de empresas concessionárias e permissionárias de serviço público. Isso porque, considera-se fornecedor de produtos ou de serviços, na redação do artigo 3º, “caput” do Código de Defesa do Consumidor[1], qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada que desenvolva atividade de distribuição, comercialização ou prestação de serviços, e nos termos do § 2º, serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração.

Nessa esteira, a Lei nº 8.987/95, que regulamentou o art. 175 da Constituição Federal, e que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos, preconiza: “Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. §1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”[2]

Nesse sentido, é factível admitir que a tela sistêmica, ainda que produzida de forma unilateral, nos casos das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, deve ostentar do mesmo atributo de veracidade dos atos administrativos emanados pela Administração, visto que tais empresas assumem a complementariedade dos serviços que a Administração Pública deixa de exercer, e por tal motivo, os concede.

É cediço que tal presunção de veracidade é iuris tantum, ou seja, presunção relativa, que pode ser afastada ante a existência de provas em contrário, mas não deve ser afastada de plano como usualmente tem ocorrido. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, no recurso de apelação de nº 00181338720128110002, de relatoria do Desembargador João Ferreira Filho, adotou referida tese:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – REDE CEMAT – COBRANÇA DE FATURA COMPLEMENTAR DE ENERGIA ELÉTRICA APÓS REALIZAÇÃO DE INSPEÇÃO PELA CONCESSIONÁRIA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE RELATIVA DA CONCESSIONÁRIA – APURAÇÃO DOS VALORES COBRADOS DE FORMA UNILATERAL – DANO MORAL CONFIGURADO – VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO – RECURSO DESPROVIDO. 1. Embora os atos da Concessionária de Energia Elétrica são presumíveis como verdadeiros, porquanto equiparam-se aos atos da Administração Pública, admite-se prova em contrário, máxime porque a presunção não é absoluta.[3]

Não obstante tal atributo deva ser considerado nos atos das empesas concessionárias de serviços públicos, é válido ressaltar, também, que tais telas são realizadas por operadores com perfis (logins) restritos, ou seja, sem permissão operacional para realizar qualquer alteração, acréscimo ou supressão de informações, demonstrada, portanto, a ausência de manipulação por quem as produz.

Dessa maneira, não se deve ignorar o fato de que tais telas representam, majoritariamente, a única fonte probatória das empresas concessionárias de serviços públicos, de maneira que, a sua inadmissão, ou, até mesmo invalidade, pode ocasionar prejuízos processuais, como por exemplo, a ampla defesa e o contraditório.

Outrossim, é imprescindível mencionar que não somente as telas sistêmicas têm sido afastadas como prova válida no processo civil, mas, também, dados sensíveis, por exemplo. No caso de concessionárias de serviço público de telefonia não rara as vezes os dados telefônicos são tratados como análogos as telas sistêmicas no que tange o seu valor probatório.

Ocorre que, tais dados telefônicos são frequentemente objeto de prova no âmbito do processo penal, sendo desproporcional e desarrazoado não serem admitidos como provas válidas no processo cível. Isso porque, prevalece a aplicação da máxima “in eo quod plus est semper inest et minu”, isto é, quem pode o mais pode o menos.

Se o direito processual penal admite (desde que observadas suas hipóteses e fundamentação judicial) o uso de dados telefônicos para fins de condenação penal, não deveria haver resistência para o seu uso no processo civil.

Por fim, desconsiderar ou invalidar as telas sistemas é como suprimir, indiretamente, o direito de defesa das concessionárias e permissionárias de serviço público, que muitas das vezes somente contam com tais documentos para exercer o contraditório e ampla defesa, princípios estes elevados à condição de direito fundamental, nos termos do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.


[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm

[2] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[3] (TJ-MT – APL: 00181338720128110002 MT, Relator: JOÃO FERREIRA FILHO, Data de Julgamento: 02/02/2016, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 15/02/2016)

Da validade e eficácia probatória das telas sistêmicas – do direito efetivo à ampla defesa e ao contraditório