DA LEI FEDERAL Nº 14.905/2024 E A ALTERAÇÃO DO ARTIGO 406 DO CÓDIGO CIVIL – PACIFICADO NO STJ?

Por Rowena Peruchi e Victor Lopes

Inicialmente, é importante esclarecer que a taxa Selic é a taxa básica de juros da economia, que influencia outras taxas de juros do país, como as de empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras. A definição da Selic é o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação.1 É a taxa de juros média praticada nas operações compromissadas com títulos públicos federais com prazo de um dia útil.  

Para a atualização das indenizações judiciais o art. 4062 do Código Civil regula como será feita a aplicação de taxas, não devendo-se aplicar o art. 161 §1º3 Código Tributário Nacional.  

Em análise pelo STJ houve a fixação de importante entendimento que determinou que o índice aplicável para atualização de débitos judiciais, na forma do art. 406 do CC, é aquele incidente sobre impostos federais – ou seja: a taxa SELIC, que já inclui juros e correção monetária e que, portanto, não pode ser cumulada com nenhum outro índice. Confira-se a tese firmada sob o procedimento dos recursos repetitivos: 

“(…) Conforme decidiu a Corte Especial, ‘atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo [art. 406 do CC/2002] é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 0.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)’ (EREsp 727842, DJ de 20/11/08). 
4. A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem (REsp – Edcl 853.915, 1ª Turma, Min. Denise Arruda, DJ de 24.09.08; REsp 926.140, Min. Luiz Fux, DJ de 15.05.08; REsp 1008203, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ 12 08.08; REsp 875.093, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 08.08.08). 
5. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08”4

O art. 406 do Código Civil, com nova redação dada pela Lei 14.905/2024, estabelece que os juros moratórios legais (aqueles aplicáveis quando não há prévia estipulação entre as partes ou quando sua incidência decorra de previsão legal) “serão fixados segundo a taxa legal, que corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.”. 

A utilização da taxa de juros SELIC como a mais justa para a correção de valores pode ser justificada sob diversos pontos de vista econômicos, levando em consideração alguns argumentos importantes:  

1.Referência Nacional e Transparência: A Taxa SELIC é a taxa de juros básica da economia brasileira e é amplamente divulgada e acompanhada pelo público em geral. Sendo uma taxa de referência nacional, seu uso traz transparência e uniformidade aos cálculos de juros em todo o país. 

2.       Estabilidade e Credibilidade: A SELIC é definida pelo Banco Central do Brasil e é utilizada como instrumento de política monetária para controlar a inflação.  Ela é considerada uma taxa estável e confiável, o que reduz a volatilidade nos cálculos de juros e oferece uma base sólida para a correção de valores. 

3.        Neutralidade e Imparcialidade: A Taxa SELIC é neutra e imparcial, uma vez que não favorece nenhum dos envolvidos em uma transação financeira. Ela é aplicada de forma igual para todos os agentes econômicos, o que promove a justiça e a equidade nas relações financeiras. 

4.      Rendimento Mínimo Esperado:  A SELIC representa o mínimo que um investidor pode esperar ganhar ao investir em ativos financeiros de baixo risco, como títulos públicos.  Portanto, seu uso como taxa de juros de correção em dívidas civis garante que o credor seja compensado de forma justa pelo tempo em que o devedor ficou inadimplente. 

5.        Facilidade de Cálculo e Aplicação:  A SELIC é uma taxa de juros de cálculo direto e simples, o que  facilita  sua  aplicação  em  cálculos  de  correção  monetária, tornando o processo mais acessível para todos os envolvidos. 

6.        Previsibilidade: Uma das principais vantagens da SELIC é sua previsibilidade. As mudanças na taxa SELIC geralmente são anunciadas com antecedência e refletem as condições econômicas do país.  Isso permite que as partes envolvidas nas dívidas civis tenham uma ideia clara de como os valores serão corrigidos ao longo do tempo. 

Em 06 de março de 2024, por 6 votos a 5, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do Recurso Especial nº 1.795.982, acolhendo a tese de que a taxa Selic deve corrigir as dívidas civis, em oposição ao modelo de correção monetária somada aos juros de mora de 1% ao mês.5  

O julgamento do Recurso Especial nº 1.795.982 foi ratificado no dia 21/08/2024, oportunidade em que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, após publicada lei sobre o tema (14.905/246), julgou prejudicadas as questões de ordem. 

Portanto, não há que se falar em aplicação do índice do tribunal local, o Artigo 406 do Código Civil deve ser interpretado de forma literal e, não havendo qualquer referência ao Código Tributário Nacional, deve prevalecer uma coerência entre as taxas aplicadas nas relações públicas e privadas, aplicando a mesma taxa de mora do pagamento dos impostos federais [ou seja, a taxa Selic], devendo portanto, em caso de condenação, determinar que a verba indenizatória está sujeita a juros calculados pela taxa Selic, sem cumulação com outro índice de correção. 

1 https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/taxaselic
2 Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código. § 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. § 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.
3 Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual fôr o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
4 STJ, DJ 06 abr. 2009, REsp 1.102.552, Rel. Min. Teori Albino Zavascki.;
5 Julgamento suspenso por questões de ordem.
6 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14905.htm

DA LEI FEDERAL Nº 14.905/2024 E A ALTERAÇÃO DO ARTIGO 406 DO CÓDIGO CIVIL – PACIFICADO NO STJ?