Constatação prévia e stay period: procedimentos da recuperação judicial
Por Gabriela Reis
Recentemente, foi noticiado o pedido de recuperação judicial por parte das empresas 123 VIAGENS E TURISMO LTDA. (123 MILHAS), ART VIAGENS E TURISMO LTDA. (HOT MILHAS) e NOVUM INVESTIMENTOS PARTICIPAÇÕES S/A. Juntamente com a notícia, surgiram dúvidas quanto ao procedimento e situação atual das empresas.
O processamento da recuperação judicial foi deferido pelo Juízo da 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte/MG no dia 31/08/2023, após verificado o cumprimento dos requisitos legais exigidos pelos artigos 48 e 51 da LRE. Conquanto, na data de 19/09/2023, em sede de Agravo de Instrumento1, ao apreciar a liminar do recurso interposto por um dos credores, o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou a suspensão provisória da Recuperação Judicial das requerentes, determinando a realização de “constatação prévia” que já havia sido determinada em outro Agravo de Instrumento2.
A “constatação prévia” está prevista no artigo 51-A da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e a Falência3, sendo uma inovação trazida pela lei 14.112/2020, que consiste na realização de uma perícia, , que tem como objetivo verificar as condições de funcionamento e possibilidade de reerguimento da empresa. Ela ocorre antes de o juízo autorizar o processamento da recuperação judicial, sendo que para tal função é nomeado um profissional para comparecer nas instalações da empresa, bem como realizar análise de todos os documentos, bens e o que o perito achar relevante para validar ou não o pedido de recuperação judicial.
Significa dizer que a perícia tem o objetivo de identificar se a empresa em crise tem ou não condições de preencher os requisitos estabelecidos pelo art. 47 da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e a Falência4 e essa análise tem por base os documentos regulares (ou não).
Cumpre elencar que a constatação prévia se originou dos conhecimentos jurídicos do Doutor Daniel Carnio, em uma das Varas Empresariais da Comarca de São Paulo, dando origem ao Modelo de Suficiência Recuperacional (MSR). Ele é composto pelo Índice de Suficiência Recuperacional (ISR), pelo Índice de Adequação Documental essencial (IADe) e pelo Índice de Adequação Documental útil (IADu). Com tal roteiro, os técnicos nomeados, da área do direito, da economia, da administração de empresas e da contabilidade realizam de maneira segura, científica e uniforme as perícias.
Para tanto, o prazo para apresentação do laudo de constatação é de 5 (cinco) dias. Todavia, tal prazo pode prorrogar, dependendo da quantidade de credores e documentos necessários para análise e confecção do laudo. No caso das requerentes, os credores ultrapassavam o montante de 700 mil, oportunidade em que foi concedido prazo maior para entrega dos trabalhos, que foi entregue no dia 08.11.2023, mas sem decisão do Eg. Tribunal de Justiça de MG ou concordância/impugnação pelas partes.
Há controvérsia quanto à nomeação de peritos para realização da perícia prévia, já que, caso fosse nomeado os próprios administradores judiciais, existiria conflitos de interesses. De todo modo, diante da necessidade de análise documental contábil, necessário que o(s) profissional(s) nomeado(s) tenha capacidade técnica suficiente.
Por outro lado, cumpre consignar que as ações ordinárias ou execuções dos eventuais credores concursais da recuperação judicial, em face das requerentes, foram suspensas pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, denominado período de “blindagem” ou “stay period”. Em decisão, o r. desembargador relator Alexandre Victor de Carvalho considerou que poderá restar inviabilizado o resultado útil do processo de recuperação judicial, caso o resultado da perícia prévia seja pelo seu deferimento, in verbis:
“o ativo declarado de uma das empresas gira em torno de R$27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais), enquanto o passivo declarado é de aproximadamente R$1.600.000.000,00 (um bilhão e seiscentos milhões de reais), afigura-se necessária a manutenção do período de blindagem (stay period), sejam das ações ordinárias ou execução dos eventuais credores da recuperação judicial, nos exatos termos da decisão singular:
Ressalvadas as ações previstas pelo artigo 6º, §§ 1º, 2º e 7º e pelo artigo 49, §§ 3º e 4º, da Lei n° 11.101/2005, ordeno a suspensão, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da publicação da presente decisão, de todas as ações e execuções contra a sociedade devedora, cabendo às recuperandas e outros meios de comunicação institucional entre tribunais comunicá-la aos Juízos competentes.
Tal providência advém do perigo de dano irremediável à parte agravada, na medida em que poderá restar inviabilizado o resultado útil do processo de recuperação judicial que tramita na origem, caso o resultado da perícia prévia seja pelo seu deferimento”.
Tal período de suspensão é relevante, pois considera-se que as requerentes poderiam sofrer com o ajuizamento de ações, por parte de milhares de credores, para satisfação individual do crédito, o que evidentemente impactaria a possível recuperação judicial.
Todavia, os Créditos Extraconcursais5, que são créditos oriundos de cessão fiduciária, não podem ser submetidos aos efeitos da recuperação judicial ou qualquer outro óbice que impeça o exercício do direito, por não se tratar de bem de capital. Ou seja, os credores extraconcursais podem requerer, até mesmo, penhora sobre o patrimônio do devedor em recuperação judicial, com exceção apenas dos bens de capital essenciais.
Caso o bem seja considerado imprescindível para o desenvolvimento da empresa e para sua atividade econômica, ele entrará na blindagem patrimonial – ou stay period. O juízo em que tramita a recuperação irá delimitar a essencialidade do bem.
Com isso, o stay period é uma das formas que a LRE encontrou para proteger o patrimônio das empresas em Recuperação Judicial e possibilitar a apresentação de um Plano de Recuperação Judicial com segurança de que os bens capitais da empresa estão protegidos pelo prazo de 180 dias e 180 adicionais (em caso de prorrogação). Tal período é importante para a empresa “desafogar” da dívida.
De um lado, o stay favorece os requerentes do pedido de recuperação e de outro, a constatação prévia tem como objetivo proteger os credores e o interesse público. Já que, conforme visto, a perícia preliminar tem como objetivo salvaguardar o instituto da Recuperação Judicial de empresas que não procuram se reestabelecer no mercado ou de empresas que não possuem condições mínimas para desempenho das atividades comerciais. Ou, até mesmo, de fraude contra credores.
Portanto, tais procedimentos da constatação prévia e do stay period são de extrema relevância para o andamento da recuperação judicial, a primeira favorecendo os credores e a segunda as requerentes, pois será aplicada a blindagem das ações ordinárias ou execução dos eventuais credores concursais da recuperação judicial.