Arbitragem envolvendo a Administração Pública Direta: o que esperar?

Por Carmen Tiburcio, especialista em arbitragem, sócia-consultora do BFBM.

Quatro anos após a entrada em vigor da reforma da Lei de Arbitragem (Lei 13.129/15), o ano de 2019 poderá trazer algumas certezas quanto aos rumos da arbitragem envolvendo a Administração Pública. Mesmo antes de 2015, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já conferia razoável segurança para a instituição de arbitragens em casos envolvendo empresas estatais que desempenhassem atividade econômica em regime concorrencial. Em alguns setores, notadamente a indústria do petróleo, a própria regulação legislativa da atividade contemplava a possibilidade de submissão de certos litígios à arbitragem. Assim, a grande novidade da reforma ficou por conta da autorização da participação da Administração Pública Direta em procedimentos arbitrais.

Há, porém, um aspecto relevante que não deve ser negligenciado: mesmo com a edição da nova lei, que resolveu a questão relativa à arbitrabilidade subjetiva (quem pode se submeter à arbitragem), ainda é necessário observar os contornos da arbitrabilidade objetiva (quais matérias podem ser apreciadas pelo árbitro). A questão é especialmente difícil porque a autorização genérica para participação da Administração Pública em arbitragens não é a regra no direito comparado, havendo poucos indicativos confiáveis quanto a esses limites. Nesse cenário, é preciso estar atento aos casos decididos ao longo do ano, que podem apontar parâmetros mais claros nessa seara.

União, Estados e Municípios deverão se adequar às novas regras. De modo a se adaptar à nova realidade, é possível que haja alterações na organização da advocacia pública – ainda sem expertise em procedimentos arbitrais. De forma mais indireta, o uso intensivo de documentos, testemunhas e assistentes técnicos em procedimentos arbitrais demandará um esforço de coordenação entre servidores da área jurídica e das áreas técnicas envolvidas na disputa. No Rio de Janeiro, o Decreto 46.245/18 e as Resoluções 4.212 e 4.213 estabelecem a cláusula compromissória padrão a ser adotada pela Administração Pública estadual e determinam a criação do Cadastro de Órgãos Arbitrais no Estado. Além dessas medidas, o decreto estabelece que as empresas privadas que iniciarem procedimentos arbitrais deverão suportar sozinhas todos os custos do procedimento – honorários de árbitros, perícias, taxas de administração, etc.

Do ponto de vista da iniciativa privada, o novo regime deverá gerar mudanças para empresas que contratam com o Poder Público e para a própria Administração. A se confirmar a tendência vigente nos casos das empresas estatais, a partir de agora grande parte das licitações dos grandes contratos com a Administração passarão a incluir cláusula compromissória, retirando do Poder Judiciário a jurisdição para apreciar eventuais litígios entre o ente público e a empresa contratada. Nesse ponto, será preciso ficar atento à regulamentação da matéria pelo Poder Executivo. Em alguns Estados, decretos regulamentares estabelecem alguns parâmetros para a adoção da arbitragem, valendo destacar a exigência de valor mínimo da contratação. No caso do Rio de Janeiro, apenas contratos com valor superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) podem conter cláusulas compromissórias. Em São Paulo, a minuta de decreto atualmente discutida estabelece valor bem mais elevado: R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais). Como se vê, a alteração da Lei de Arbitragem foi apenas uma das etapas. Ainda haverá muitas questões a serem resolvidas.

Arbitragem envolvendo a Administração Pública Direta: o que esperar?