A taxatividade mitigada do artigo 1.015 do CPC e o cabimento do agravo de instrumento nos casos de reconhecimento de ilegitimidade passiva do litisconsorte: uma análise à luz da jurisprudência do STJ

Por Luiza Rafaela Vasconcelos Chaffim 

O agravo de instrumento, recurso que encontra sua viabilidade quando necessária a impugnação das decisões interlocutórias, é uma garantia processual prevista no artigo 1.015 do Código de Processo Civil. Dessa forma, o dispositivo elenca como hipóteses de cabimento, as decisões interlocutórias que versarem sobre: (i) tutelas provisórias; (ii) mérito do processo; (iii) rejeição da alegação de convenção de arbitragem; (iv) incidente de desconsideração da personalidade jurídica; (v) rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; (vi) exibição ou posse de documento ou coisa; (vii) exclusão de litisconsorte; (viii) rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; (ix) admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; (x) concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo os embargos à execução; (xi) redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º do CPC; e (xiii) outros casos expressamente referidos em lei.  

Em sua acepção originária, o rol do artigo 1.015 pode ser entendido como taxativo. Entretanto, na ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.704.520/MT e do Recurso Especial 1.696.396/MT, no rito dos recursos repetitivos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, ao definir a natureza do rol do artigo 1.015, atribui-lhe a característica de taxatividade mitigada.  

Em seu voto, a Ministra relatora Nancy Andrighi argumentou serem insuficientes as teses que abordam o rol do artigo 1.015 como passível de interpretações extensíveis ou analógicas, bem como a que entende o rol como exemplificativo. Isso porque, segundo a Ministra, o uso da analogia ou da interpretação extensiva poderia “desnaturar a essência dos institutos jurídicos ontologicamente distintos”, ao passo em que atribuir a natureza de exemplificativo ao rol se traduziria na “repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC”, o que poderia ser considerado como uma substituição, do Judiciário, da atividade e da vontade expressada pelo Legislativo.  

Assim, fixou-se que diante da taxatividade mitigada, é admissível a interposição do agravo de instrumento para além das hipóteses definidas no artigo, quando verificada situação de urgência decorrente da inutilidade do julgamento no momento da apreciação do recurso de apelação.  

Desde a definição da taxatividade mitigada do rol do artigo 1.015 do CPC, no final de 2018, foram variadas as situações em que o Tribunal da Cidadania reconheceu cabível o agravo de instrumento. A título de exemplo, pode-se mencionar o cabimento contra decisão interlocutória que indefere a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução de título extrajudicial, em que mesmo a Terceira Turma tendo entendido que, vez que se tratava de decisão provisória, a hipótese se encaixaria no escopo do inciso I do artigo 1.015, verifica-se a aplicabilidade da taxatividade mitigada do referido artigo em face da urgência da matéria a ser examinada. 

Neste mesmo sentido, o julgamento do Recurso Especial 1.772.839/SP pela Quarta Turma, sob relatoria do Ministro Antônio Carlos Ferreira, decidiu pela viabilidade do agravo de instrumento para a impugnação de decisões interlocutórias que determinem a ilegitimidade passiva de litisconsorte. O entendimento foi firmado por conta da previsão expressa do inciso VII do artigo 1.015 acerca da exclusão de litisconsorte, que não faz nenhuma restrição ou observação nessa parte, pois o reconhecimento da ilegitimidade passiva pode acarretar como consequência lógica a exclusão da parte. 

É de suma importância ressaltar ainda que o reconhecimento da ilegitimidade passiva de litisconsorte tem o potencial de tornar inútil o julgamento da questão na ocasião do julgamento do recurso de apelação, visto que existem casos em que uma parte se faz essencial para a correta instrução da lide. À vista disso, os tribunais pátrios vêm se pronunciando e firmando sua jurisprudência em consonância com o que fora fixado pelo STJ no tocante à taxatividade mitigada do artigo 1.015 nos casos de reconhecimento da ilegitimidade passiva de litisconsorte. É o caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 

INDENIZAÇÃO – Erro médico – Insurgência contra a extinção do pleito, sem resolução de mérito, com reconhecimento de ilegitimidade passiva em relação médico corréu– Mitigação do rol do art. 1.015 do CPC – Precedente do E. STJ em apreciação de tema de recurso repetitivo – Pretensão que envolve ressarcimento por arguida ocorrência de erro médico, de modo que a participação do profissional pode afetar a produção de provas, a ampla defesa e o contraditório – Associação demandada que é responsável pela prestação de serviços e que detém natureza de pessoa jurídica de direito privado, não havendo transformação em natureza pública apenas por prestar serviços no âmbito do sistema público de saúde (SUS – Sistema Único de Saúde) – Como consequência, o médico residente que atuou no caso, que não é funcionário público, tampouco pode ser equiparado a um agente público, afastando, assim, o enquadramento da hipótese vertente no Tema nº 940 do E. Supremo Tribunal Federal – Precedentes – Recurso provido.  (TJSP;  Agravo de Instrumento 2126140-45.2023.8.26.0000; Relator (a): Alvaro Passos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 25ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/09/2023; Data de Registro: 21/09/2023) 

Isto posto, é inteligível que a taxatividade mitigada adotada pelo Superior Tribunal de Justiça estabelece uma proteção substancial aos litigantes, conforme se observa no caso do cabimento do agravo de instrumento em face de decisão interlocutória que reconhece a ilegitimidade passiva de um ou mais litisconsortes. 

Referências 

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. 

REsp 1.704.520-MT; Relator (a): Min. Nancy Andrighi; Corte Especial; Data do julgamento: 14/05/2019; DJe 19/12/2018 (Tema Repetitivo 988). 

REsp 1.745.358-SP; Relator (a): Min. Nancy Andrighi; Terceira Turma; Data do julgamento: 26/02/2019; DJe 01/03/2019. 

REsp 1.772.839-SP; Relator (a): Min. Antônio Carlos Ferreira; Quarta Turma; Data do julgamento: 14/05/2019, DJe 23/5/2019. 

TJSP; Agravo de Instrumento 2126140-45.2023.8.26.0000; Relator (a): Álvaro Passos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 25ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/09/2023; DJe 21/09/2023. 

A taxatividade mitigada do artigo 1.015 do CPC e o cabimento do agravo de instrumento nos casos de reconhecimento de ilegitimidade passiva do litisconsorte: uma análise à luz da jurisprudência do STJ