A LGPD e a Igualdade Salarial da Lei n° 14.611

Por Guilherme Menezes dos Santos e Eduarda Chacon

Historicamente, a mulher precisou enfrentar uma batalha ideológica para se firmar profissionalmente no Brasil. Isso porque um dos maiores influenciadores no desenvolvimento do país foi a igreja católica, que catequizou a sociedade na doutrina de que a mulher não poderia trabalhar fora de casa, pois deveria estar sempre cuidando do lar e da família.  Diante disso, no princípio, as esposas, mães e filhas deveriam zelar pela casa e permanecer sempre na retaguarda dos assuntos econômicos e sociais. 

No Brasil República, com a promulgação da constituição de 1934, as mulheres conquistaram direitos trabalhistas para poder exercer atividades profissionais nas grandes fábricas; porém, somente na era Vargas, passaram a ter direitos mais plenos, similares aos desfrutados hoje em dia. Com a solidificação das Leis Trabalhistas, direitos básicos como salário-mínimo, jornada de trabalho e férias foram finalmente garantidos às pessoas do sexo feminino. Aos poucos, foram introduzidas no ordenamento brasileiro normas específicas de proteção do trabalho da mulher, como a sua garantia ao livre acesso ao mercado de trabalho, a sua proteção jurídica, a proibição do empregador considerar sexo, idade, cor e raça para fins de remuneração, entre outros. 

Atualmente, como resultado de movimentos sociais emancipatórios que discutiram a relevância dos direitos femininos, vivemos em uma sociedade onde as mulheres detém total liberdade para exercer qualquer atividade profissional. Entretanto, apesar de gozarem de tais direitos, ainda enfrentam desafios inerentes a uma sociedade constituída e enraizada em uma cultura machista. Exemplo disso é o fato de as mulheres receberem historicamente salários menores do que os homens pelo exercício das mesmas atividades. 

Diante desse cenário, a Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023¹, trouxe disposições sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função e alterou a consolidação das Leis do Trabalho. Ainda, adotou métodos desafiadores para garantir a efetivação plena da lei em seu Art. 5, onde determinou a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). 

Por mais que a intenção do legislador seja nobre, essa norma trabalhista dialoga com a LGPD e não são com elas incompatíveis, desde que cautelas mínimas sejam adotadas. É sobre isso que se pretende aprofundar neste texto.  

O Decreto 11.795, de 23 de novembro de 2023, e a Portaria 3.714, de 24 de novembro de 2023, completam a Lei 14.611 com conteúdo mais abrangente na fase de aplicação de seus dispositivos, definindo os processos pelos quais as empresas devem comunicar por escrito suas políticas salariais, bem como esclarecendo como as informações serão reunidas e analisadas. Estas regras são de fato críticas para garantir que a Lei 14.611 possa funcionar com sucesso, mas também criam um nível adicional de complexidade devido à proteção de dados. 

A Portaria 3.714 estabelece procedimentos administrativos de divulgação dos relatórios com as informações salariais, que será composto por duas seções. Na primeira seção, serão dados como o cadastro do empregador, número de empregados da empresa por estabelecimento, número total de trabalhadores separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e remuneração mensal e cargos ou ocupações disponíveis, conforme Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). 

A segunda seção divulgará dados obtidos do Portal Emprega Brasil. Neste tópico, serão informados: a presença ou ausência de um quadro de carreira e plano de cargos e salários, critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados, existência de incentivo à contratação de mulheres, identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção e existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares². 

Apesar de necessária a divulgação desses dados, não há motivos para grandes alardes. Isso porque, por mais que esses dados salariais sejam divulgados, os dados pessoais dos colaboradores não devem ser publicados em conjunto, evitando assim a identificação de possíveis indivíduos.  

Destaca-se que dado pessoal é a informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, onde os mais sensíveis são dados pessoais sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural³. 

Diante disso, as empresas estão adotando procedimentos delicados com a divulgação das informações salariais, garantindo a anonimização e proteção de dados pessoais. A relação entre a Lei 14.611 e a LGPD, bem como com outras normas de proteção de dados, é complexa, mas, ao mesmo tempo, pode ser vista como uma oportunidade para demonstrar respeito tanto pela privacidade quanto pela justiça de gênero. Com todas estas exigências em vigor, a procura pelos serviços de advogados especializados em direito digital e de compliance também aumenta gradativamente. 

REFERÊNCIAS:  

[1] Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-mulher/2024/03/mulheres-recebem-quase-20-a-menos-que-os-homens-no-brasil/#:~:text=As%20mulheres%20t%C3%AAm%20remunera%C3%A7%C3%A3o%2019,e%20Emprego%20e%20das%20Mulheres. 

[2] – Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mte-n-3.714-de-24-de-novembro-de-2023-525914843 

[3] – Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14611.htm

A LGPD e a Igualdade Salarial da Lei n° 14.611