A exigência de prévio Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica antes da penhora de valores de empresa do mesmo grupo: Segurança Jurídica e Uniformização da Jurisprudência da Segunda Seção do STJ
Por Gabriel Melo
Em recente julgado no âmbito do REsp nº 1.864.620/SP, realizado em setembro de 2023, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou seu entendimento no sentido de que a penhora contra empresa do mesmo grupo da executada exige prévia desconsideração da personalidade jurídica.
No caso em questão, o recurso lançado à Corte pretendia a reforma do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em que prevaleceu o entendimento de que seria desnecessária a prévia instauração do incidente por se tratar de relação de consumo, uma vez que na forma do art. 28, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, “as sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código”.
Portanto, nesses termos, concluiu a Corte paulista que, basta que a empresa devedora principal não tenha bens disponíveis a solver o débito para que as demais integrantes do grupo possam ter seu patrimônio atingido.
Na forma do voto do Min. Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso e acompanhado de forma uníssona pela Quarta Turma, contudo, ponderou-se que, não obstante a hipótese de responsabilidade civil subsidiária, não há que se suprimir a observância das normas processuais, especialmente, do contraditório e da ampla defesa, incluindo, é claro, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Aliás, o magistrado pontuou que, mesmo em se tratando de uma relação de consumo, é preciso fazer uma interpretação sistemática do diploma consumerista e observar que “a previsão de responsabilidade civil subsidiária das sociedades integrantes de um mesmo grupo encontra-se inserida na seção que trata da desconsideração da personalidade jurídica”.
Desse modo, para que seja promovida a constrição patrimonial, por se tratar de medida um tanto quanto invasiva, faz-se necessária a prévia instauração do IDPJ, que, na forma do art. 134 do CPC, é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
E foi com base nisso que o Ministro concluiu que o simples redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não participou da fase de conhecimento violou o disposto nos artigos 28, do CDC, e 133 a 137, do Código de Processo Civil.
Verdade seja dita, a posição adotada pelo STJ antes reforça princípios constitucionais (e processuais) basilares, quais sejam, do devido processo legal, da segurança jurídica, da ampla defesa e do contraditório participativo. Afinal, “ninguém deve ser atingido em sua esfera de interesses por uma decisão judicial em processo no qual não teve a oportunidade de se manifestar”, leciona André Roque1.
E tão relevante quanto, a decisão da Quarta Turma permite concluir que houve a uniformização da jurisprudência da Segunda Seção da Corte Superior, na medida em que a Terceira Turma, por ocasião dos julgamentos dos REsp nº 1.776.865/MA, sob a relatoria da Min. Nancy Andrighi, e AgInt no REsp nº 1.875.845/SP, sob a relatoria do Min. Moura Ribeiro, já entendiam que não é correto, é mero redirecionamento da execução, sem a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica, contra empresa integrante do mesmo grupo.
E a ratio não destoa: a solidariedade existente entre as companhias do mesmo grupo não importa em uma possibilidade automática de redirecionamento da fase de cumprimento de sentença para atingir patrimônio de pessoa jurídica que não foi parte no processo que deu origem ao título executivo judicial.
Por tudo isso, o posicionamento adotado pelo Min. Antonio Carlos Ferreira, por advento do julgamento do REsp nº 1.864.620/SP, de modo a alinhar o entendimento da Seção de Direito Privado do STJ, antes reforça princípios constitucionais e processuais, chancela a importância do respeito ao procedimento previsto no Código para o IDPJ (por se tratar de medida excepcional extremamente gravosa), e, claro, em deferência à segurança jurídica esperada dos Tribunais, sobretudo, das Cortes Superiores, uniformiza a jurisprudência, a fim de mantê-la estável, íntegra e coerente.