A atual situação da cessão fiduciária de crédito na recuperação judicial
Por Luccas Cobbett, advogado da área de Direito Bancário.
Em tempos de crise, muitos credores têm optado pela cessão fiduciária de crédito, também conhecida como “trava bancária”, como um caminho eficiente para garantir que o devedor pague as dívidas ainda que este último ingresse com pedido de recuperação judicial. Trata-se de um instrumento bastante eficaz, regulado pela Lei nº 4.728/1965, no §3º do art. 66-B, que se opera da seguinte forma: por meio de uma conta do devedor junto à instituição financeira credora, esta realiza e controla o seu próprio pagamento, bloqueando os valores ali depositados pelas operadoras de cartões de crédito e débito para compensar eventuais atrasos do devedor ou, a depender da configuração, a totalidade do crédito.
Para combater o mecanismo da garantia, muitos devedores em recuperação judicial passaram a argumentar que os valores objeto de cessão fiduciária seriam, na verdade, essenciais para o funcionamento do negócio. Denominaram-os como “bem de capital”, o que atrairia a proteção do art. 49, §3º, da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Como se sabe, a Lei Federal nº 11.101/2005, prevê a intangibilidade dos bens de capital da empresa recuperanda, sob a tese de que são essenciais para a continuidade da atividade empresarial.
A discussão sobre a natureza jurídica dos recebíveis – o objeto da cessão fiduciária de crédito – foi resolvida recentemente. O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.758.746/GO, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellize, julgou a questão. Em suma, a 3ª Turma realizou as seguintes definições: (i) para o bem ser considerado “de capital”, ele deve ser “utilizado no processo produtivo da empresa, já que necessário ao exercício da atividade econômica exercida pelo empresário”; (ii) ele deve estar “na posse da recuperanda”; (iii) a sua utilização não pode representar o esvaziamento da garantia fiduciária, visto que, ao final do período de suspensão, o bem deve ser entregue ao credor fiduciário. Assim, “[a] partir da natureza do direito creditício sobre o qual recai a garantia fiduciária – bem incorpóreo e fungível, por excelência –, não há como compreendê-lo como bem de capital, utilizado materialmente no processo produtivo da empresa”. E mais, como explicado no acórdão, “o crédito cedido fiduciariamente, nem sequer se encontra na posse da empresa em recuperação judicial, afigurando-se de todo imprópria a intervenção judicial para esse propósito (liberação da trava bancária)”.
A conclusão dos julgadores foi sumária: uma vez que os créditos não são efetivamente utilizados no processo produtivo da empresa e não possuem as demais características, considerá-lo “bem de capital” é impróprio, não se adequando ao disposto no art. 49, §3º, da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Portanto, o mecanismo de trava bancária deve ser plenamente respeitado pelos devedores – e juízes em geral –, sob pena de esvaziar a garantia prestada, restando claro que o bem fiduciário perseguido extraconcursal não pode sofrer os efeitos da recuperação judicial. O acórdão foi publicado em 1º de outubro de 2018. A decisão veio em boa hora para tranquilizar os credores, conferindo-lhes uma maior segurança de que, num mar de instabilidades, existem chances concretas de reaver o crédito emprestado.