A emergência de uma “doutrina brasileira” do amicus curiae no reconhecimento da repercussão geral

Por Luiz Henrique Krassuski Fortes

Em recente Congresso de Direito Processual Constitucional, promovido pela ABDPC e pela OAB/PR, levei à reflexão necessidade de repensar o funcionamento do Supremo, contra um crescente voluntarismo procedimental. Como pano de fundo, a mensagem da Constituição: o Supremo não pode julgar na solidão de noites escuras, mas sim sob a claridade vigilante da democracia. Diante disso, questionei de forma específica: o funcionamento atual do julgamento virtual da preliminar de repercussão geral é minimamente adequado para atender o devido processo constitucional?

A resposta é negativa por um conjunto robusto de razões ligadas de desenho institucional do funcionamento dessa “antessala ao mérito”. Afinal, nos moldes atuais a Corte se vê desprovida do aporte de elementos concretos aptos a demonstrar a relevância e transcendência da questão constitucional trazida no recurso extraordinário. E, não raro, se vê refém de argumentos ad terrorem de litigantes habituais (e.g. Fazenda Pública), sendo forçada a “decidir no escuro”, com base em intuições sobre as possíveis consequências do reconhecimento da repercussão geral.

A solução em que acredito é a emergência de uma doutrina brasileira do amicus curiae, que atribua a esse instrumento a função não só de veicular razões de mérito, mas também de permitir uma discussão robusta, em contraditório, sobre a conveniência e oportunidade de a Corte discutir o tema (primeira fase de sua agenda), e assim, balizar a divisão de trabalho entre as cortes que compõem a jurisdição nacional. Minha proposta é que pequenas modificações de práticas por parte dos Ministros do STF seriam suficientes para implementar essa doutrina.

Primeiro, aportando um novo RE, o relator deve analisar a regularidade formal do recurso, inclusive a apresentação de fundamentação analítica quanto a existência de repercussão geral pela parte. Verificará assim, prefacialmente, se o caso veicula questão constitucional relevante e inusual a ponto de justificar o afastamento de eventuais vícios formais.

Segundo, não sendo hipótese de inadmissão monocrática, e considerando especialmente que a jurisdição ordinária poderá até mesmo ser suspensa caso reconhecida a repercussão geral, antes de submeter a preliminar ao Plenário Virtual, é recomendado que o relator profira decisão solicitando a apresentação de manifestações de amici curiae que tragam à Corte razões e dados concretos aptos a demonstrar o porquê seria conveniente e oportuna a afirmação da repercussão geral (e.g.: a questão já foi bem equacionada pela lei federal ou por precedentes do STJ? Como uma nova decisão impactará um dado setor econômico? Qual o real impacto orçamentário da decisão? Foi feito o adequado provisionamento desse “risco judicial” nos termos da LRF?). Terceiro, e por fim, o relator deve proferir despacho esclarecendo quais as manifestações foram admitidas, para somente então submeter aos demais Ministros o seu voto sobre a repercussão geral, necessariamente dialogando com o caldo de razões que foram trazidas pelas partes e amici.

Com esse desenho, o amicus curiae passa a exercer novo e relevante papel no direito brasileiro, à semelhança de algumas experiências no direito comparado (e.g. os briefs de cabimento de writ of certiorari). Delas, porém, irá além, uma vez que servirá para instrumentalizar o contraditório necessário a decisões bem fundamentadas, responsáveis também por equacionar a divisão de trabalho e de funções entre Supremo, STJ e cortes locais (i.e. trará fundamentação para a “não existência” da repercussão geral, permitindo, até mesmo, seu novo equacionamento no futuro). Com isso teremos maior transparência, previsibilidade e legitimidade para a atuação do Poder Judiciário, bem como maior respeito e debate sobre os precedentes por ele editados.

A emergência de uma “doutrina brasileira” do amicus curiae no reconhecimento da repercussão geral