Compras públicas de inovação e a promissora encomenda tecnológica

Por Pedro Henrique Costa, associado BFBM e membro do LegalLab BFBM e Felipe Fonte, sócio do Escritório, especialista em Direito Público.

Recentemente atualizada pela Lei nº 13.243/2016, a Lei nº 10.973/2004 é o principal marco de incentivo à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no País. Com forte apelo ao experimentalismo, o texto legal busca permitir que a administração se engaje em projetos de inovação, assumindo os riscos e ônus inerentes a esse tipo de atividade. Trata-se, por evidente, de uma lógica muito distinta daquela a que os gestores públicos estão tradicionalmente acostumados, uma vez que o próprio processo de criação de algo novo constitui o objeto da contratação nesses empreendimentos.

Nesse sentido, a lei colocou à disposição dos entes públicos novos instrumentos jurídicos para o desenvolvimento de inovação em colaboração com outras instituições públicas, bem como com agentes do setor privado. Dentre esses arranjos, destaca-se o contrato de encomenda tecnológica, previsto no artigo 20 da Lei nº 10.973/2004, segundo o qual os órgãos e entidades da administração pública podem contratar diretamente instituições de ciência e tecnologia, entidades de direito privado sem fins lucrativos e empresas que possuam suas atividades voltadas para a pesquisa e que tenham capacidade tecnológica reconhecida no setor em que atuam.

De acordo com a lei, é necessário que as entidades públicas instituam suas políticas de inovação, em alinhamento com o plano geral existente em nível nacional. Exige-se ainda a criação de regulamentos internos para a implementação dos instrumentos de estímulos à inovação. Atendidos tais requisitos, o modelo ganha viabilidade prática e se revela uma poderosa ferramenta para a implementação de P&D no setor público.

A encomenda tecnológica foi concebida para viabilizar iniciativas inovadoras de caráter experimental, em que o próprio processo de inovação desempenha papel de destaque, ainda que não seja possível detalhar com acurácia os resultados finais a serem alcançados. Importante ressaltar que o projeto deve ser previamente indicado no termo de referência, mas o ônus de delimitação do objeto da contratação pelo gestor público é bastante reduzido, especialmente quando comparado aos demais modelos. Trata-se, portanto, do mecanismo mais adequado de contratação de atividades de pesquisa e desenvolvimento envolvendo risco tecnológico para a solução de determinados problemas técnicos específicos ou para obtenção de produto ou serviço inovador.

De todo modo, embora muito festejada, a encomenda tecnológica não deve ser vista como uma panaceia: não se trata de um instrumento que se presta a solucionar todos os problemas relacionados à contratação de inovação. A compra de soluções já estabelecidas no mercado, ou seja, produtos ou serviços já disponibilizados ao público em geral e em cuja adoção a administração pública enxergue vantagem, não é o escopo adequado para o arranjo. Aqui, há uma evidente dependência de uma atividade de teste tecnológico e, por fim, de uma invenção inédita.

Após a fase de protótipo, o produto final pode ser contratado com o próprio desenvolvedor da encomenda, também dispensada a licitação. O projeto pode também ensejar distintos formatos de remuneração, proporcionalmente aos trabalhos executados, além de prever pagamentos adicionais de acordo com metas de desempenho previamente acordadas. Mesmo que as expectativas sejam frustradas, é permitido o reembolso das despesas relacionadas com a elaboração do protótipo.

Como se nota, a encomenda tecnológica é hoje uma das mais promissoras ferramentas de envolvimento da administração pública com a atividade geradora de inovação, hoje essencialmente caracterizada pelo surgimento de novos modelos de negócios com forte base tecnológica, as startups. Após alguns tímidos avanços em seu uso para essa finalidade, espera-se que este ano o arranjo de encomenda tecnológica seja colocado à prova e que a promessa de introduzir a inovação tecnológica no setor público se reflita efetivamente em melhores serviços aos cidadãos.

Compras públicas de inovação e a promissora encomenda tecnológica