Novos IRRs sobre Terceirização e “Pejotização” são instaurados no TST

Por Clarissa Mello da Mata 

Muito se engana quem acha que a questão da terceirização e da “pejotização” está pacificada no Brasil após a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) no tema. Mais um novo capítulo desta discussão acirrada entre a Justiça do Trabalho e o STF tem início em 2025, confirmando o que já vínhamos alertando sobre a insegurança jurídica que permeia a questão.  

Relembramos que, por décadas, a Justiça do Trabalho vinha lidando com o tema da terceirização de serviços. Foram milhares de processos com o tema com as mais diferentes decisões, até que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou a jurisprudência daquela Corte em torno da impossibilidade de terceirização da atividade-fim da empresa através da Súmula 331 do TST. Tal Súmula teve vigência por anos, porém seguia sendo questionada em sua constitucionalidade ao limitar o direito de autogestão das empresas pautado nos princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência. 

O embate em torno da terceirização chegou pela primeira vez ao Supremo Tribunal Federal (“STF”) em 2014, quando o Ministro Teori Zavascki, Relator do ARE 791.932, proferiu decisão que determinou a suspensão nacional de tramitação dos processos envolvendo a validade da terceirização da atividade de call center em concessionárias de telecomunicações, o que incluía empresas de telefonia e TV por assinatura, por exemplo, e que finalizou a discussão com a fixação do Tema 739 do STF – É nula a decisão de órgão fracionário que se recusa a aplicar o art. 94, II, da Lei 9.472/1997, sem observar a cláusula de reserva de Plenário (CF, art. 97), observado o artigo 949 do CPC”. O referido artigo 94, inciso II, da Lei 9.472/97 — autoriza expressamente as concessionárias de serviços públicos a contratarem com terceiros a realização de “atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”.  

Tempos depois, foi também julgado o Tema 725 do STF (RE 958252) de relatoria do Ministro Luiz Fux – em que, no mesmo caminho de valorização da livre iniciativa e livre concorrência, se foi firmada a tese de que “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. 

Já o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) nº 324 pelo STF é comumente tido como o ápice da expressão do entendimento do STF sobre a terceirização. Na ADPF se discutia a licitude de terceirização das atividades fim e meio pelas empresas, e, por maioria de votos, o E. STF deu provimento à ADPF para firmar a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993.” Restou explicitado, ainda, pela maioria que a decisão não afeta automaticamente decisões transitadas em julgado. 

Na fundamentação do voto vencedor, o I. Relator Min. Roberto Barroso esclareceu que “A Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade. 2. A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade. 3. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações.”  

Além da referência à terceirização de atividade-fim, com a declaração de inconstitucionalidade da Súmula 331 do TST que declinava a impossibilidade desse mecanismo, a decisão do STF abre margem à outras discussões que vem se alastrando na jurisprudência e dando ensejo à diversas Reclamações Constitucionais propostas no âmbito do STF, tanto quanto à novas formas de trabalho como o fenômeno chamado “uberização”, quanto a “pejotização” e outras tantas correspondências para o tema como a relação dos representantes comerciais, correspondentes bancários, entre outros. 

O STF claramente vem trazendo em suas decisões uma valorização inegável da livre iniciativa que se alinha às mais modernas formas de trabalho e ao mercado financeiro e social atual. 

Entretanto, mesmo após as decisões do STF, a questão ainda encontra dificuldades em ser aplicada pela Justiça do Trabalho nas reclamações trabalhistas, o que, frequentemente, tem ocasionado o ajuizamento de Reclamações Constitucionais perante o STF para garantir a autoridade das decisões daquela Corte.  

O cenário atual segue dotado de forte insegurança jurídica e a tendência, infelizmente, não é de caminharmos para um entendimento entre STF e TST.  

O objetivo da decisão do E. STF na ADPF e no Tema 725 da Repercussão Geral, que é de gerar segurança jurídica e estabelecer decisão uniforme sobre o tema não está atingindo seu objetivo e, pelo visto, ainda está bem longe de atingir, considerando a ausência de alinhamento entre STF e Justiça do Trabalho que tem refletido nos julgados e na prestação jurisdicional aos trabalhadores.  

Confirmando a tendência da Justiça do Trabalho em não concordar com a aplicação do entendimento do STF, logo no início de janeiro de 2025, foram instaurados dois Incidentes de Recursos Repetitivos (IRR) no âmbito do TST sobre a terceirização e a “pejotização”, os quais ainda se encontram pendentes de distribuição aos respectivos relatores.  

O primeiro deles, IncJulgRREmbRep – 1848300-31.2003.5.09.0011 que deu origem ao Tema 29 do IRR: “”Terceirização. Decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do ARE 791.932-DF, tema 739 da Tabela de Repercussão Geral. Licitude da terceirização, inclusive em atividade-fim da tomadora de serviços. Tese firmada nos autos da ADPF 324 e do RE-958.252- MG, Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral. Fraude no negócio entabulado entre as empresas. Subordinação direta. Elemento de distinção”.”, possui como objetivo estabelecer formas de realizar o chamado “distinguishing” entre o decidido pelo STF na ADPF 324 e os casos concretos para continuar reconhecendo a ilicitude de terceirizações sem “esbarrar” no óbice do entendimento firmado pelo STF. 

Do Tema 29, é possível notar que o TST traz a discussão sobre se é possível reconhecer a fraude na terceirização utilizando a subordinação direta como elemento de distinção da situação concreta com a Tese fixada pelo E. STF na ADPF 324. A Justiça do Trabalho vem lutando pela possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego já que, grande parte do judiciário trabalhista, apresenta resistência em concordar com o entendimento do E. STF de validade de tais negócios jurídicos. 

Na prática, reconhecer a subordinação direta como elemento de distinção para justificar a declaração de fraude e, consequentemente, de ilicitude da terceirização, pode se tornar uma forma de violar o entendimento do E. STF e não de compatibilizar realizando distinguishing do entendimento vinculante, como advogam os defensores do Tema 29 no TST. 

O mesmo ocorre com o IncJulgRREmbRep – 373-67.2017.5.17.0121 que deu origem ao Tema 30 “”Recurso de Revista. Contrato de prestação de serviços. “Pejotização”. Reconhecimento da relação de emprego”” em que se discute a alteração de comum acordo da modalidade de contratação que iniciou por vínculo empregatício e foi transmutada para prestação de serviços por intermédio de pessoa jurídica, a chamada “pejotização”.  

As particularidades dos “leading cases” afetados pelo TST não esgotarão a discussão e podem levar à fixação de teses genéricas de aplicação a casos distintos dos afetados, causando ainda mais insegurança jurídica e chamando a atenção para a possibilidade latente de desrespeito ao entendimento consolidado e vinculante do E. STF. 

Portanto, os próximos meses prometem ser movimentados e de muita tensão no cenário jurídico laboral, considerando as divergências de entendimento que já existem entre a Justiça do Trabalho e o STF, bem como pela possibilidade de intensificação dessas divergências com o julgamento dos dois IRRs.  

Além do próprio Supremo Tribunal Federal que estará atento aos próximos passos do TST relativos ao julgamento dos dois temas, a questão chama a atenção de todo o mercado de trabalho e financeiro, considerando o impacto enorme das decisões afetas ao tema, que atingem todas as indústrias e setores da economia, diante da tendência dos dias atuais de terceirização, especialização e “pejotização” de atividades, bem como quanto às novas formas de trabalho envolvendo propostas tecnológicas cada vez mais crescentes. 

O ano de 2025 já começa mostrando que muito há de ser feito para chegarmos a um cenário de consolidação de entendimento e segurança para as empresas poderem se organizar da forma que seja mais adequada ao seu pleno funcionamento, visando a garantia de mais empregos, possibilitando maior giro na economia e o fortalecimento do potencial de consumo do brasileiro. 

Novos IRRs sobre Terceirização e “Pejotização” são instaurados no TST