Novos direcionamentos para cumprimento da Lei de Transparência Salarial e de Igualdade Remuneratória
Por Bruna Pegoraro Augusto e Clarissa Mello da Mata
A Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios (Lei 14.611/23) tem como objetivo assegurar a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.
Todavia, na prática, a lei nasceu com diversas dificuldades em relação a sua viabilidade de aplicação e demais controvérsias.
A lei prevê que as empresas com mais de 100 empregados publiquem semestralmente o Relatório de Transparência Salarial, que consiste em um compilado de informações de cargo ou ocupação contidas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), com as correspondentes atividades e o valor da remuneração do empregado.
Além disso, a comparação da remuneração deve englobar as parcelas fixas e variáveis pagas ao trabalhador, quais sejam, salário contratual, décimo terceiro salário, gratificações, comissões, horas extras, adicionais em geral (noturno, insalubridade, periculosidade), terço de férias, aviso prévio trabalhado, descanso semanal remunerado, gorjetas e demais parcelas por força de lei ou norma coletiva de trabalho que componham a remuneração.
Como previsto em lei, cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a responsabilidade de consolidar o relatório de transparência salarial, com base em informações do eSocial e informações complementares a serem prestadas pelas empresas.
Ocorre que a metodologia utilizada pelo MTE para consolidação do Relatório de Transparência Salarial não observa os requisitos legais para equiparação salarial e parte de uma base comparativa não objetiva, vez que ao agrupar empregados que realizam atividades completamente diferentes nos mesmos grupos gerais da CBO, gera distorções e tende a levar a conclusões equivocadas sobre o tema.
Para sanar a distorção, se o objetivo da instituição é mero conhecimento de salários adotados pelas empresas, bastaria apenas consolidar e publicar informações que o MTE recebe no eSocial, inexistindo necessidade de criação de lei para tanto.
Importa destacar ainda que a utilização da CBO como parâmetro é positiva para fins estatísticos, mas é insuficiente para assegurar a igualdade salarial para realização de trabalho do mesmo valor entre homens e mulheres. Isto porque, a CBO não prevê diferentes níveis de senioridade, o que impede a comparação objetiva entre empregados que exercem atividades com diferenças quanto à experiência, senioridade, etc.; além de não englobar todas as atividades/funções atualmente existentes.
No mais, sem outros parâmetros objetivos, dificulta que o órgão competente fiscalize as empresas e aplique as medidas administrativas cabíveis gerando incerteza nas empresas e insegurança quanto à possibilidade ou não de ser aplicada multa diante das medidas adotadas pela empresa.
O tema se tornou ainda mais crítico em razão da publicidade conferida aos relatórios pelo MTE – o que não era esperado e não está em linha com a regulamentação do tema, que conferia às empresas a responsabilidade pela publicação, além de instaurar discussão quanto a possível violação pelo MTE dos princípios da LGPD, vez que garante às empresas a possibilidade de não divulgar em valores absolutos as verbas pagas aos trabalhadores.
Além disso, em 15/03/2024, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), emitiu a Nota Técnica nº 3/2024 recomendando a suspensão ou cancelamento com posterior revisão dos dispositivos legais referentes à obrigação de publicar informações sobre remuneração de empregados no contexto do relatório, sob pena de eventuais efeitos concorrenciais de conduta no mercado de trabalho.
Na tentativa de sanar essas controvérsias, porém aparentemente sem chegar a tal objetivo, o MTE publicou a Instrução Normativa (IN) GM/MTE 6, em 18/09/2024, que, entre outras disposições, esclarece a forma de apresentação do Relatório semestral pelas empresas em março e setembro, através do Emprega Brasil, porém manteve a CBO como método principal de comparação entre os empregados.
Entretanto, caso as empresas consigam demonstrar que as divergências salariais apontadas pelo relatório podem ser explicadas a partir da aplicação do artigo 461 da CLT, o artigo 19, parágrafo único, da IN estabelece que o MTE não concluirá que há diferença salarial injustificada entre mulheres e homens, o que é um avanço em relação ao estabelecido originalmente na lei, considerando que os auditores do MTE não deveriam autuar as empresas sob argumento de eventuais violações à Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios em casos em que se justifica a diferença salarial por outros critérios previstos e permitidos na lei, como é o caso do art. 461 da CLT.
A IN também traz avanço em relação à proteção de dados sendo que, à luz da LGPD, a IN assegura que os dados podem ser anonimizados para que não seja permitido a identificação dos empregados e suas remunerações.
Por fim, a IN reconheceu expressamente a possibilidade de publicação de notas explicativas com informações complementares pelas empresas.
Neste cenário, as empresas têm as opções de i) publicar o relatório enviado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); ii) publicar o referido relatório em conjunto com uma nota explicativa, em que possíveis inconsistências do relatório da autoridade trabalhista sejam esclarecidas; ou iii) ajuizar ação judicial para coibir o MTE da publicação do relatório.
Em razão das divergências/inconsistências no método de comparação de dados aplicado pelo MTE ao relatório, muitas empresas adotaram medidas administrativas e/ou judiciais cabíveis e possuem êxito na concessão do pedido liminar de suspensão da obrigatoriedade. A tendência é que, com a nova Instrução Normativa, algumas dessas inconsistências sejam supridas, mas ainda se vislumbra a possibilidade de adoção de medidas em face de arbitrariedades eventualmente cometidas pelo MTE ou descumprimento das novas orientações pela autoridade fiscalizadora.
A Instrução Normativa veio como grande avanço e esclarecimento quanto às obrigações referentes à Lei da Transparência Salarial, porém, ao que tudo indica, ainda não conseguiu suprir todas as lacunas da referida Lei e orientar à exaustão as possibilidades e limites da atuação do MTE e as hipóteses de autuação das empresas, o que faz persistir a insegurança jurídica e provavelmente ainda dará origem a outros capítulos desta “história” que está longe do fim.