Resolução nº 586 do CNJ fortalece validade dos acordos extrajudiciais com cláusula de quitação geral dos contratos de trabalho incentivando a conciliação como instrumento na Justiça do Trabalho
Por Ana Carolina Trindade e Clarissa Mello da Mata
Com o advento da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) o acordo extrajudicial, que anteriormente não tinha validade e eficácia liberatória reconhecida no Direito do Trabalho, passou a ter previsão de validade mediante homologação judicial na CLT, trazendo os requisitos e o procedimento a ser adotado para homologação na Justiça do Trabalho com o intuito de fortalecer o sistema conciliatório e privilegiar outras formas de resolução de conflitos.
A aplicação da nova prática que objetivava estimular a negociação direta entre as partes e a mediação pré-processual desafogando o judiciário, trouxe à tona a discussão sobre a validade da utilização da cláusula de quitação ampla, geral e irrevogável dos contratos de trabalho nos acordos.
Apesar de diversas decisões em sentido contrário à utilização da cláusula de quitação geral do contrato de trabalho, tendo, inclusive, o TRT da 2ª Região (São Paulo) emitido recomendação contrária a sua utilização, sugerindo que o acordo se limitasse apenas às verbas previstas na petição, o TST já demonstrava sua tendência a reconhecer como válida a cláusula na petição do acordo extrajudicial, afirmando que caberia ao magistrado apenas a avaliação dos requisitos de validade do negócio jurídico, ou seja, a verificação dos vícios de vontade previstos do Código Civil (arts. 138 e 184) e os requisitos trazidos pela CLT (art. 855-B a art. 855-E), impedindo a homologação parcial com substituição da vontade das partes, considerando, assim, válida a inclusão da cláusula de quitação plena, ampla e irrevogável do contrato de trabalho.
A Resolução nº 586 do CNJ de 30 de setembro de 2024 inovou trazendo a previsão expressa do efeito de quitação ampla, geral e irrevogável nos acordos extrajudiciais na justiça do trabalho, elencando em seu artigo 1º os requisitos para que o acordo sofra tal efeito, o que tende a esvaziar a discussão da validade da aplicação do efeito amplo de quitação na justiça do trabalho.
O artigo 1º da resolução dispõe que a petição do acordo deverá trazer a previsão expressa do efeito de quitação ampla, geral e irrevogável; que as partes deverão estar assistidas por seus advogados, sendo vedada a utilização de advogado comum, requisito este já previsto na CLT para validade do procedimento de jurisdição voluntária na justiça do trabalho; que os incapazes e menores de 16 anos deverão estar assistidos por seus pais, curadores ou tutores legais; e que, como qualquer negócio jurídico, não poderá ter vício de vontade ou defeito no negócio jurídico, devendo ser observados os artigos 138 e 184 do Código Civil. Por fim, dispõe que a mera hipossuficiência do empregador não faz presumir vício e a consequente nulidade do acordo, para evitar a não homologação por decisões de cunho meramente ideológico.
Caso os requisitos da resolução não sejam cumpridos, apenas os títulos e valores expressamente consignados no instrumento terão eficácia liberatória.
As disposições expressas da resolução quanto à limitação da não homologação pela verificação do magistrado de vícios de vontade ou defeito de negócio jurídico, também traduzem avanço e trazem maior segurança jurídica às partes para negociar acordos extrajudiciais, limitando a intervenção da Justiça do Trabalho na vontade das partes, como vinha acontecendo em alguns Tribunais Regionais que, por vezes, interferiam nos termos do acordo, homologando parcialmente ou não homologando o acordo por não concordar com os seus termos, porém extrapolando as hipóteses legais dos arts. 138 e 184 do Código Civil.
No mesmo sentido, trazendo maior segurança jurídica ao procedimento, a resolução ainda prevê ressalvas, elencando as hipóteses em que não surtirão os efeitos da quitação, como os casos de sequelas acidentárias e doenças ocupacionais não previstas expressamente no instrumento; pretensões a fatos e direitos que as partes não tenham conhecimento quando firmado o acordo; pretensões de partes não representadas ou substituídas naquele procedimento; e títulos e valores ressalvados na petição.
Ao contrário da CLT que obriga a provocação conjunta nos órgãos competentes através de petição em comum acordo, a resolução amplia e flexibiliza a instauração do procedimento do acordo extrajudicial, dispondo que esta poderá ser feita por iniciativa de qualquer uma das partes ou por seus substitutos processuais, mantendo, ainda, a opção da instauração conjunta, ou seja, em comum acordo.
O mesmo acontece com a previsão da Resolução em seu art. 3º, §3º queveda a homologação parcial, também conferindo maior segurança jurídica às partes que sabem que o acordo que submeterem à homologação não será alterado pelo Judiciário de forma unilateral, não surgindo obrigações “surpresa” não acordadas entre as partes.
O tema da homologação parcial do acordo extrajudicial também era um ponto de divergência nos Tribunais, comum a discussão quando entendido que a cláusula com eficácia geral não é válida e homologa-se o acordo apenas nos demais pontos, sensibilizando a segurança jurídica da negociação firmada. O interesse na realização do acordo é analisado pelas partes em sua integralidade e a alteração de algum dos pontos ou condições pactuados pode esvaziar esse interesse ou tornar o acordo desproporcional. Nesse sentido, a Resolução também está em consonância com as recentes decisões do TST.
Não há dúvidas de que o acordo é uma das vias mais importantes, céleres e eficazes, para resolução das disputas na justiça do trabalho, não só em prestígio ao princípio da conciliação que norteia a justiça laboral, mas também como forma de reduzir a litigiosidade. É de amplo conhecimento que o Brasil é um dos países mais litigantes em termos trabalhistas, o que traz um número significativo de demandas que assoberbam o judiciário. A Resolução 586 fortalece o instituto quando fornece instrumentos visando garantir a segurança jurídica para a prática do procedimento, como quando estabelece como requisito de validade para aplicação do efeito de quitação ampla a representação por advogado diverso para cada uma das partes e dispõe sobre as hipóteses em que o efeito não terá aplicabilidade.
Durante os seis primeiros meses a resolução se aplicará apenas aos acordos acima de 40 salários-mínimos, valor médio dos acordos homologados pelos CEJUSCs em 2023, mas já será possível enxergar na prática o impacto das novas disposições sobre o acordo extrajudicial na justiça do trabalho com a tendência de imprimir maior celeridade aos trâmites processuais da Justiça do Trabalho e redução do acervo de demandas pendentes de julgamento e de ajuizamento de novas demandas.