A publicação da Lei nº 14.939/24: Redução do excesso de formalismo na interposição de recursos aos Tribunais Superiores

Por Gabriel Melo e Mariana Victória

No dia 31 de julho de 2024, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.939/2024, que flexibilizou a redação do § 6º do art. 1.003 do Código de Processo Civil de 2015 para consagrar a possibilidade de prova do feriado local após o ato de interposição do recurso.  

Sob a antiga redação do dispositivo, in verbis: “o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”, via de regra, os tribunais aplicavam o entendimento de que o ato de interposição seria o único momento processual adequado para comprovação da tempestividade. Os Tribunais Superiores, sobretudo, eram absolutamente restritivos: o recurso ficava fadado à intempestividade. 

Com a atual redação, felizmente, caso a comprovação não se dê no ato da interposição, “o tribunal determinará a correção do vício formal, ou poderá desconsiderá-lo caso a informação já conste do processo eletrônico”.   

Resta superado, portanto, o racional por trás das decisões de não conhecimento, como dizia José Carlos Barbosa Moreira1, de que mais pareciam “refeições em que, após os aperitivos e os hors d’oeuvre, se despedissem os convidados sem o anunciado prato principal.” 

Em aspectos práticos, a alteração normativa implica em maior segurança jurídica para os jurisdicionados, na medida em que, diante das diversas suspensões, alterações de feriados municipais, estaduais ou nacionais, as partes e advogados se deparavam com uma jurisprudência defensiva que pregava o formalismo processual.  

Mais ainda, representa uma valorização do direito que as partes têm de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, assim como preceitua o art. 4º do Código de Processo Civil. Isso nada mais é do que a concretização de um dos princípios norteadores do Código de Processo Civil de 2015, a saber, o da primazia da decisão de mérito.  

Breve histórico 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a possibilidade ou não de comprovação posterior de causa suspensiva do prazo recursal representada por feriado local é antiga. Abaixo, e sem a pretensão de exaurir todas os julgamentos ocorridos sobre a temática, destacamos alguns. 

Inicialmente, a Corte manifestava-se pela exigência de prova do feriado local na interposição do recurso, tem-se como exemplo o julgamento do AgRg no AREsp nº 57.390/MA. Do contrário, o mesmo seria tido por intempestivo, sem possibilidade de complementação documental pelo recorrente.  

Porém, nos idos de 2014, em apreciação do AgRg no AREsp nº 538.914/SC, o STJ mudou o seu entendimento para viabilizar a apresentação de documento apto a comprovar a suspensão do prazo recursal por ocasião de agravo regimental interposto, posteriormente, com esse intuito.  

Em posição diametralmente oposta, e já sob a vigência do atual diploma processual, temos o julgamento do REsp nº 1.813.684/SP, realizado pela Corte Especial do STJ, em 2019, no qual a tese acompanhada pela maioria e, portanto, vencedora, foi a do Ministro Luís Felipe Salomão, no sentido de que todo e qualquer feriado local deveria ser comprovado no momento da interposição do recurso. A relatoria, porém, modulou os efeitos da decisão e oportunizou a comprovação posterior aos recursos interpostos até a publicação do acórdão, com fundamento no art. 927, §3º, do CPC. 

Tal entendimento, entretanto, não perdurou por muito tempo. Em fevereiro de 2020, após julgamento da Questão de Ordem levantada pela Ministra Nancy Andrighi, os efeitos da referida modulação foram cingidos tão somente à comprovação do feriado local da segunda-feira de Carnaval, quando ocorrido no decurso do prazo para interposição de recurso – e, por isso, não mais a todo e qualquer feriado local. 

Veja, o Ministro Salomão, em seu voto, afirmou que “a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em casos excepcionais é instrumento vocacionado, eminentemente, a garantir a segurança indispensável das relações jurídicas, sejam materiais, sejam processuais”. Para tanto, se fundamentou nas lições dos professores Teresa Arruda Alvim2e Daniel Amorim Assumpção Neves3, que, sobre o tema, ensinam que a jurisprudência consolidada gera confiança e a modulação ex nunc ou projetada para o futuro nada mais é do que a preservação da confiança dos jurisdicionados. 

Não obstante, a Terceira Turma do STJ, no julgamento AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 2.281.269/SP, negou provimento ao recurso exatamente por falta de documento sobre a suspensão do prazo processual, até mesmo, na segunda-feira de carnaval e na Quarta-Feira de Cinzas. Eis, em síntese, o fundamento da decisão colegiada: “a segunda-feira de Carnaval, a quarta-feira de cinzas. os dias da Semana Santa que antecedem à Sexta-Feira da Paixão, o dia de Corpus Christi e do servidor público são considerados feriados locais para fins de comprovação da tempestividade recursal.” 

Portanto, o STJ, em definitivo, não aplicava o parágrafo único do art. 932 do CPC, corolário do Princípio da Primazia da Decisão de Mérito, em matéria de comprovação do feriado local para preenchimento do requisito da tempestividade. Em outras palavras, não admitia qualquer regularização do vício em momento posterior à interposição recursal. 

Deferência à segurança jurídica 

O cenário acima apresentado não deixa dúvidas de que o debate em torno da comprovação de feriado local era nebuloso, exigia dos advogados uma diligência redobrada e, principalmente, as sucessivas modificações de posicionamentos das Cortes Superiores afastavam a esperada segurança jurídica dos jurisdicionados. 

Felizmente, o Poder Legislativo em seu papel de concepção de leis conferiu nova redação para o § 6º do art. 1.003 do Código de Processo Civil, que deverá acarretar, de imediato, não apenas na uniformização da jurisprudência pátria, mas também na modificação do entendimento do STJ.  

Partindo-se do brocardo tempus regit actum, preceituado no art. 14 do CPC, os atos processuais serão regidos pela lei em vigor no momento em que são praticados. Logo, a partir de 31 de julho de 2024, com a publicação da Lei nº 14.939/2024, caso o recorrente não comprove, no ato de interposição do recurso, a suspensão processual decorrente de feriado local, o juízo deverá oportunizar a regularização do vício formal.  

Quanto aos recursos já interpostos, serão afetados pela nova disposição caso a decisão de admissibilidade ainda não tenha sido proferida e a nova redação do § 6º do art. 1.003 do CPC deverá ser imediatamente observada. 

  1. José Carlos Barbosa Moreira, Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 386, ano 102, 2006, p. 155  ↩︎
  2. A jurisprudência consolidada gera confiança. Confiança na sua continuidade. Uma das hipóteses a que faz menção o art. 927, § 3º, do CPC, como sendo daquelas em que pode haver modulação, é a da alteração da jurisprudência dominante do STF e de Tribunais Superiores. É interessante que se note o uso da expressão dominante que, embora careça de precisão, demonstra que, de fato, o instituto realmente liga-se à proteção da confiança: a jurisprudência deve ter orientado a conduta do jurisdicionado, já que era a que predominava. Sua conduta pautou-se, portanto, nesta jurisprudência, agora alterada. Natural que, em hipóteses como esta, possa haver modulação.” ALVIM, Teresa Arruda. Modulação na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: RT, 2019, p. 129 ↩︎
  3. “Parece claro que se o sujeito se portou de determinada maneira confiando no entendimento consolidado pelo tribunal, a mudança de entendimento não pode desprestigiar essa confiança. Em razão disso deve ser saudado o § 3º do art. 927 do Novo CPC no sentido de permitir ao tribunal a modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica, consagrando no direito pátrio a possibilidade de prospective overruling. Registre-se que, além de preservar a confiabilidade e a segurança jurídica, a possibilidade de modulação de efeitos da superação do procedente permite aos tribunais uma superação com mais tranquilidade, porque em sistemas em que não se admite tal modulação o trauma gerado pela superação do precedente funciona como impeditivo de tal superação. […]O essencial para a modulação ex nunc ou projetada para o futuro é a preservação da confiança dos jurisdicionados. Como é possível que um precedente venha a ser superado aos poucos, tal circunstância deve ser considerada pelo tribunal para limitar a eficácia ex nunc ou até mesmo aplicar a eficácia ex tunc”. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1539-1540 ↩︎
A publicação da Lei nº 14.939/24: Redução do excesso de formalismo na interposição de recursos aos Tribunais Superiores