Publicada Lei nº 14.689/23 que regulamenta a impossibilidade de liquidação do seguro garantia antes do trânsito em julgado da decisão de mérito em desfavor do contribuinte
Por Carolina Dinis, Clara Sampaio e Ana Letícia Salomão.
Em sessão conjunta do Congresso Nacional, realizada em 14 de dezembro de 2023, foram analisados os vetos presidenciais a diversos dispositivos do Projeto de Lei (PL) nº 2.384/2023. Em 22 de dezembro, partes previamente vetadas foram promulgadas, resultando a conversão dessas alterações na Lei nº 14.689/23.
Em relação ao seguro garantia, mais especificamente, foi restabelecido o artigo 5º da proposição, que previa a inclusão do §7º ao art. 9º da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), deixando expressamente prevista a impossibilidade de liquidação do seguro garantia antes do trânsito em julgado da decisão de mérito em desfavor do contribuinte, o que impede, portanto, a sua liquidação antecipada. É ver:
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu promulgo, nos termos do parágrafo 5o do art. 66 da Constituição Federal, a seguinte parte vetada da Lei no 14.689, de 20 de setembro de 2023:
“Art. 5º A Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 9º …………………………………………………………………………………………………………..
……………………………………………………………………………………………………………………………
§ 7º As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada.” (grifos acrescidos)
Anteriormente, o STJ já tinha se pronunciado, no REsp nº 1.996.660/RS, pelo entendimento de que seria permitida a liquidação do seguro garantia antes do trânsito em julgado, ressalvado o levantamento do depósito, nos termos do artigo 32, §2º, da Lei 6.830/80. Vejamos trecho da decisão:
“Em relação à controvérsia relativa à necessidade de trânsito em julgado para liquidação do seguro-garantia, a argumentação jurídica desenvolvida pela Fazenda Nacional, inclusive no que diz respeito à divergência jurisprudencial, está embasada, de fato, em precedentes desta Corte quanto à possibilidade de liquidação, nos autos, da carta de fiança ou seguro garantia, ressalvado apenas o levantamento do depósito realizado pelo garantidor ao trânsito em julgado, nos termos do art. 32, § 2º, da LEF.”
Contudo, após a alteração legislativa, experimenta-se uma mudança significativa na discussão. Os desdobramentos da modificação na norma ainda serão vistos na prática, de modo que, com base nesse novo cenário, é de esperar que os contribuintes requeiram a substituição de depósito judicial realizado por força da liquidação antecipada da garantia, pelo seguro garantia, ou seja, o restabelecimento da garantia anterior. Isso porque, a promulgação do §7º do art. 9º da LEF assegurou ao contribuinte o direito processual de manter o seguro garantia até o trânsito em julgado da demanda tributária.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que a nova legislação deverá ser aplicada aos processos em curso, impedindo a Fazenda Nacional de levantar antecipadamente a garantia apresentada pelo contribuinte, antes do fim de ação de execução fiscal. O entendimento foi adotado pela ministra Regina Helena Costa ao rejeitar pedido de julgamento do tema por meio de recurso repetitivo, ao analisar três processos apontados como representativo da controvérsia (REsp 2077314, REsp 2093036 e REsp 2093033).
A ministra Regina Helena Costa se posicionou com base na nova legislação e no Código de Processo Civil (CPC), ao destacar que “após a edição da Lei nº 14.689 não haveria mais motivo para julgamento com efeito repetitivo“. Restou esclarecido, ainda, que por tratar-se de uma norma processual, a Lei nº 14.689 é aplicável imediatamente a todos os processos em curso, conforme dispõe o artigo 14 do CPC, ao afirmar que “Ademais, cuida-se de norma de caráter claramente processual, a autorizar, portanto, sua aplicação aos feitos em curso (CPC/2015, artigo 14)”.
Em síntese, a alteração legislativa sedimentou de uma vez por todas a discussão judicial em torno da interpretação da LEF, dando mais clareza e segurança ao contribuinte, consolidando a questão sobre a equiparação da liquidez existente entre o seguro garantia e o depósito em dinheiro1, além de impedir a execução antecipada dos valores antes do trânsito em julgado da ação de mérito em que se discute o crédito tributário.