In re ipsa: a natureza excepcional do dano presumido e a tutela a direitos invioláveis
Por Isabela Oliveira
No ordenamento jurídico brasileiro é de manifesto conhecimento a regra para a aplicação da reparação do dano: este deve ser comprovado. A comprovação do prejuízo sofrido legitima o direito à indenização.
Nota-se que as discussões contenciosas travadas em juízo buscam, precipuamente, evidenciar ou isentar de responsabilização um dos polos da relação jurídica. Neste ponto, o Código Civil disciplina a responsabilidade civil que, regra geral, depende da comprovação da culpa e do dano perpetrado.
No entanto, como exceção a esta regra, o dano presumido, também chamado damnun in re ipsa, norteia os casos em que será superada a fase probatória, dispensando a demonstração do dano para sua efetiva reparação.
A presunção do prejuízo e caracterização do instituto supracitado carrega um caráter excepcional, e é eventualmente aplicada nos casos em que a demonstração do dano se torna difícil de ser comprovada ou, ainda, nos casos que permeiem a sensibilidade humana, como ocorre no dano moral. Este último alcança, para além da esfera jurídica, todo um contexto social, que se torna relevante na medida em que atinge direitos inerentes aos seres humanos.
Nesse contexto, o dano moral pode ser caracterizado pelo abalo emocional ou psicológico causado em virtude de determinado ato ou ação e, a depender da gravidade, vai de encontro com a presunção do dano, que independe da produção de provas. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em casos que envolvam, por exemplo, agressão contra crianças e mulheres, no âmbito da violência doméstica.
Para o Ministro Rogério Schietti Cruz, no julgamento do REsp 1.675.874, é transparente o fato de que a não exigência de produção de prova dos danos morais, nesses casos, também se justifica pela necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, a integral tutela do ofendido.
Na mesma linha de raciocínio, a Ministra Nancy Andrighi afirma que a sensibilidade ético-social do homem comum na hipótese, permite concluir que os sentimentos de inferioridade, dor e submissão, sofridos por quem é agredido injustamente, verbal ou fisicamente, são elementos caracterizadores da espécie do dano moral in re ipsa. Ou seja: é sabido que o dano presumido inclina-se, evidentemente, sob a ótica moral e é onde encontra-se, nestas situações, a natureza excepcionalíssima do prejuízo presumido.
Disso, infere-se que o instituto visa tutelar, principalmente, a moral – abrangida pela dignidade da pessoa humana, uma vez garantida pela própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X:
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação […]”
Tendo em vista os argumentos supracitados, pode-se concluir que o dano presumido se vale especialmente de situações que perpassam a natureza jurídica do conflito e alcançam um caráter sensível à sociedade, como é o caso da honra e da moral. A presunção do dano, no entanto, é medida excepcional e não deve abarcar todo e qualquer prejuízo alegado, caso contrário estaríamos diante da banalização do instituto frente ao Judiciário.