Extimidade, vigilância e mercado de influências: repercussões no âmbito do direito à privacidade

As transformações tecnológicas, sociais e políticas que vivenciamos atualmente têm causado um profundo impacto no direito à privacidade. Inicialmente concebido como um direito intimista, que assegurava a prerrogativa de desfrutar da solidão e evitar perturbações, esse conceito evoluiu para abarcar uma ampla gama de prerrogativas relacionadas não apenas à esfera pessoal, mas também à esfera patrimonial, em ambientes físicos e virtuais. Essa evolução é atribuída, em grande medida, aos avanços tecnológicos, que deram origem a novas formas de interação e compartilhamento de informações.

No contexto da internet, uma das mudanças mais significativas foi o surgimento e a ampla disseminação das redes sociais, que proporcionaram um cenário ideal para o massivo trânsito de informações pessoais. Com frequência, essas informações são deliberadamente divulgadas pelos próprios usuários, utilizando direitos ligados à sua personalidade, como privacidade, imagem, voz e identidade.

Esse ato voluntário de tornar acessível a própria intimidade nesses locais de interação online é denominado “Extimidade”. A extimidade reflete, portanto, a interseção entre o desejo humano de compartilhar aspectos pessoais e íntimos de suas vidas com outras pessoas, e a exposição dessas informações em um espaço online, muitas vezes acessível a um público amplo.

No cenário jurídico, tais questões têm clarificado discussões sobre os conceitos de autodeterminação informativa, consentimento, dicotomia público-privado, proteção de dados e outros aspectos relacionados à privacidade.

Vale dizer que, nos dias de hoje, o direito à privacidade visa proteger uma esfera pessoal, não uma conexão com um local físico, como costumava ser entendido anteriormente. Protege indivíduos, não lugares específicos, reconhecendo que a privacidade pode ser violada em diversos contextos, inclusive no ambiente digital.

Essas evoluções na compreensão jurídica da privacidade refletem as transformações sociais e tecnológicas em curso, na qual as informações pessoais são compartilhadas em uma escala sem precedentes, muitas vezes de forma voluntária, como parte da extimidade. No entanto, essas mudanças também trazem desafios significativos, como a necessidade de estabelecer uma regulamentação que proteja os direitos individuais ao passo que se equilibra com a liberdade de expressão e a inovação tecnológica.

Stefano Rodotà1 identificou quatro movimentos importantes dessa evolução. Esses deslocamentos refletem as transformações sociais, tecnológicas e legais que alteraram a compreensão desse direito fundamental.

O primeiro movimento destacado por Rodotà, como antecipado, diz respeito à ampliação do conceito de privacidade, que agora abrange não apenas o direito de estar sozinho, mas também o direito de manter controle sobre as informações pessoais. Isso significa que a privacidade não se limita mais à solidão física, mas se estende ao domínio das informações pessoais.

O segundo movimento refere-se à redefinição substancial da própria privacidade, que passa a ser compreendida de maneira mais rica e complexa. Isso envolve uma revisão da dicotomia público-privado, pois a privacidade não é mais vista como uma separação rígida entre o que é público e privado, mas como algo mais fluido, em que espaços sociais e informações pessoais se entrelaçam. Essa compreensão reconhece a interconexão das esferas públicas e privadas, especialmente em um mundo cada vez mais digital e interconectado.

O terceiro movimento diz respeito à mudança do núcleo central da privacidade. Agora, as informações não são analisadas de imediato como públicas ou privadas, mas como pessoais ou não pessoais. Esse deslocamento é significativo porque coloca o foco na natureza das informações em questão e no seu impacto sobre a esfera pessoal do indivíduo. Isso está diretamente relacionado ao conceito de autodeterminação informativa, que se concentra no controle que as pessoas têm sobre suas próprias informações.

O quarto movimento apontado por Rodotà refere-se à mudança do sigilo para o controle. Em vez de se concentrar exclusivamente no sigilo das informações, o direito à privacidade agora enfatiza o controle que as pessoas têm sobre suas informações pessoais. Isso implica que a privacidade não se limita apenas a impedir que informações sejam reveladas, mas também a capacidade de determinar como essas informações são utilizadas.

O impacto notável é o gradual deslocamento de uma “sociedade disciplinar” para uma “sociedade de controle”. Essa mudança tem consequências profundas, uma vez que se abrem inúmeros espaços de socialidade, muitos dos quais são característicos da sociedade de consumo e do espetáculo.2

A “sociedade disciplinar”, um conceito apresentado por Michel Foucault, descreve uma estrutura social em que o indivíduo era disciplinado e controlado por meio de sistemas de vigilância e normas sociais estritas. No entanto, com o advento da tecnologia e a ascensão da sociedade de consumo, vê-se a evolução para uma “sociedade de controle”.

Nessa sociedade de controle, os espaços de socialidade se expandem exponencialmente, muitos deles impulsionados pela tecnologia e mídia digital. Nas redes sociais, por exemplo, as pessoas compartilham voluntariamente informações sobre si mesmas, seus gostos, interesses e experiências. Essa exposição constante é característica também da sociedade de espetáculo3, em que a visibilidade se torna uma parte central da vida cotidiana. As pessoas muitas vezes buscam ativamente essa visibilidade, compartilhando detalhes de suas vidas em busca de validação social, reconhecimento ou pertencimento.

O que é notável nessa transição é que a vigilância e a visibilidade não são mais imposições externas, mas muitas vezes são desejadas e toleradas. As pessoas estão dispostas a abrir mão de parte de sua privacidade em troca de interação social, entretenimento e conexão com os outros. Isso cria uma dinâmica complexa, na qual as lógicas de vigilância e visibilidade coexistem como faces da mesma moeda.

Hoje, não vivenciamos apenas a vigilância do “Grande Irmão”, como Orwell previu, mas também a vigilância lateral exercida por muitos “pequeninos irmãos”. Este fenômeno pode ser notado, por exemplo, com a utilização massiva de dispositivos eletrônicos como smartphones, smartwatches e outros dispositivos conectados, que não apenas facilitam a comunicação, mas também permitem a coleta e compartilhamento de informações e dados em grande escala. A proliferação de vídeos amadores na internet, relatos de situações em tempo real, imagens, áudios e capturas de conversas são evidências claras dessa constante vigilância e exposição.

Anteriormente, predominava a “tirania da intimidade”4, que estabelecia um dever de privacidade. Isso implicava que a privacidade deveria ser mantida com pudor e desfrutada no recôndito, dando origem a uma visão intimista das relações sociais. Atualmente, porém, surge a “tirania da visibilidade”5, que impõe um dever de estar sempre visível e, se possível, transparente. Isso reflete uma mudança significativa na forma como a privacidade é percebida, pois agora a intimidade é colocada em um local visível e social.
Essa transformação se alinha com a ideia de Michel Foucault de que não apenas devemos nos defender, mas também nos afirmar, não apenas como identidades, mas como força criativa. O indivíduo busca não apenas proteger sua privacidade, mas também reivindicar sua identidade e presença no mundo, tanto para sua própria emancipação pessoal quanto para o empoderamento social. Nesse contexto, a ênfase recai não apenas em “ter” uma identidade, mas em “ser” uma identidade6, reconhecendo que a visibilidade e a exposição se tornaram parte integrante da vida contemporânea.

Neste contexto, é possível identificar diversas camadas de modulação do visível e assimetrias de olhar que caracterizam a interação entre os usuários e as plataformas de mídia social, como aplicativos de compartilhamento de imagens. Essas camadas de modulação envolvem: (i) a visibilidade dos usuários aos olhos da empresa; (ii) a visibilidade que os usuários produzem de si mesmos e (iii) a visibilidade dos usuários aos olhos de outros usuários.

Os próprios usuários geram uma camada de visibilidade ao compartilhar imagens e conteúdo pessoal nas plataformas. Eles decidem o que desejam mostrar, construindo narrativas sobre suas vidas e identidades através das imagens compartilhadas. Por outro lado, além de compartilhar imagens, os usuários também consomem as imagens compartilhadas por outros.

Eles observam, interagem e respondem a essas imagens. Essa interação entre usuários também pode resultar em dinâmicas complexas, como validação social, competição e comparação, e influenciar a autoimagem e a autoestima.

Essas diferentes camadas de modulação do visível refletem a interseção de dois regimes ópticos de poder: a vigilância e o espetáculo. A rapidez com que as imagens são produzidas e consumidas nas plataformas de compartilhamento de imagens lembra as características do espetáculo contemporâneo. As pessoas buscam a atenção dos outros, criando e compartilhando imagens de suas vidas, e muitas vezes a própria plataforma recompensa essa exposição com reconhecimento e visibilidade.

Com efeito, a análise de Michel Foucault sobre o advento da vigilância como instrumento de poder nos leva a um profundo entendimento das dinâmicas de controle social no contexto das instituições disciplinares que se desenvolveram no final do século XVIII e ao longo do século XIX. Foucault identificou no Panóptico, um dispositivo óptico-arquitetônico concebido pelo filósofo utilitarista Jeremy Bentham, o modelo ideal de funcionamento das sociedades modernas. Essa estrutura representava um marco na forma como o poder era exercido e como as sociedades eram organizadas.

No Panóptico, a assimetria de olhares desempenha um papel central. A estrutura física do Panóptico consiste em uma construção circular ou em forma de anel, em que os indivíduos são distribuídos ao redor da periferia. No centro, há uma torre de observação da qual um observador pode potencialmente ver todos os que estão na periferia. No entanto, aqueles na periferia nunca têm a certeza de quando estão sendo observados. Essa incerteza cria um estado de visibilidade permanente e consciente entre os vigiados. Eles nunca sabem quando ou se estão sendo observados, mas sabem que poderiam estar sendo vigiados a qualquer momento.

Esse estado de visibilidade constante torna o poder visível, na medida em que os observadores na torre central podem efetivamente monitorar aqueles na periferia. No entanto, também o torna inverificável, porque aqueles na periferia nunca têm a certeza de quando estão sendo observados e quando não estão. Isso assegura o funcionamento automático e desindividualizado do poder, pois não requer uma intervenção constante por parte dos observadores. O próprio medo da vigilância é suficiente para manter as pessoas disciplinadas.

Dentro dessa estrutura centralizada e hierárquica, a vigilância panóptica opera como um jogo de luz e sombra, em que as técnicas de ver induzem efeitos de poder. A incerteza constante sobre a visibilidade cria um estado de conformidade e autocontrole entre os vigiados, que passam a agir como se estivessem sendo observados o tempo todo, internalizando as normas e regras do sistema.

Já a noção de espetáculo, como apresentada por Guy Debord em seu livro-manifesto “A Sociedade do Espetáculo” (1967), tem sido um conceito influente no entendimento da dinâmica da sociedade contemporânea e da relação entre poder, consumo e mídia. De acordo com Debord, o espetáculo não é simplesmente um conjunto de imagens, mas, mais profundamente, uma relação social mediada por essas imagens. Esse modelo de vida, de acordo com o autor, resulta em uma divisão fundamental entre a realidade e a imagem. As pessoas começam a experimentar o mundo de maneira fragmentada, por meio de representações e narrativas construídas pela mídia, publicidade e cultura de consumo.

Essa análise de Debord salienta como o espetáculo cria uma realidade simulada que frequentemente diverge da experiência autêntica. Ele também destaca como o espetáculo opera como um mecanismo de controle social, influenciando o conceito que as pessoas têm de sua própria humanidade e condicionando-as a atenderem aos imperativos do consumo.

Portanto, a sociedade do espetáculo, como concebida por Guy Debord, oferece uma crítica perspicaz do impacto das mídias de massa na vida social. Ela convida à reflexão sobre como as imagens, narrativas e representações moldam nossa compreensão da realidade e nossa relação com o mundo ao nosso redor.

Estas formas de vigilância e espetáculo nas sociedades contemporâneas são altamente influenciadas pela tecnologia digital, pela cultura das mídias sociais e pela evolução das noções de privacidade. A constante atualização desses conceitos reflete o complexo equilíbrio entre a busca por visibilidade, interconexão digital e as crescentes preocupações com a privacidade e a ética na coleta de dados.

As reflexões de Deleuze7 clarificam esta transformação fundamental nas estratégias de poder nas sociedades contemporâneas, que passaram da disciplina ao controle como mecanismos dominantes. Enquanto a disciplina operava por meio do confinamento físico dos corpos em espaços fechados, o controle funciona em um ambiente aberto, sem as restrições espaciais rígidas que caracterizavam a disciplina.

Nesse novo paradigma, as tecnologias digitais, especialmente as móveis, desempenham um papel crucial no exercício do controle. A portabilidade dessas tecnologias permite que as pessoas estejam constantemente conectadas e interajam com o ambiente ao seu redor sem a necessidade de confinamento físico. Isso representa uma mudança significativa em relação às estratégias de poder do passado, em que a vigilância muitas vezes envolvia a imposição de limitações espaciais.

Essas tecnologias móveis também possuem vastas capacidades de registro e monitoramento das ações das pessoas. Smartphones, dispositivos vestíveis e outros gadgets coletam dados sobre nossos movimentos, comunicações, preferências e comportamentos. Essas informações são utilizadas para criar um vasto conhecimento sobre indivíduos e populações, permitindo uma vigilância detalhada, porém frequentemente invisível.

O controle, exercido a céu aberto, implica que as técnicas de poder se tornaram mais sutis e menos visíveis. Diferentemente da disciplina, que frequentemente era manifesta por meio de instituições físicas de confinamento, o controle se manifesta de forma mais dispersa e virtual. Ele está embutido em nossas interações digitais diárias, nas quais cedemos informações voluntariamente em troca de conveniência, entretenimento e conexão.

No entanto, essa aparente invisibilidade não diminui a eficácia do controle. Pelo contrário, ele pode ser ainda mais poderoso, uma vez que opera nas entrelinhas da vida cotidiana. Ele molda nossos comportamentos, preferências e até mesmo nossas subjetividades de maneira sutil, muitas vezes sem que percebamos.

Nesse cenário, pode-se argumentar que as novas tendências da “vigilância distribuída” e do “espetáculo integrado” se mesclam e exercem influência mútua. De se ver que a vigilância distribuída se incorpora como um componente essencial em diversos dispositivos, funções e finalidades, ao passo que o espetáculo integrado se espalha por vários momentos e lugares em nossa vida cotidiana. Isso resulta em uma fusão ubíqua das dinâmicas de vigilância e espetáculo, gerando diversas abordagens para determinar o que se torna visível no contexto do atual regime de visibilidade.

A condição híbrida que emerge da interseção entre vigilância e espetáculo tem um impacto significativo na dinâmica das hierarquias de observação. Nesse cenário, não estamos mais restritos a modelos de olhar hierárquicos, como o panóptico, onde poucos observam muitos, ou o sinóptico, onde muitos observam poucos. Em vez disso, vivenciamos um modelo reticular e distribuído, onde muitos observam muitos, e onde a observação é bidirecional, com muitos vendo e sendo vistos de diversas maneiras.

Fernanda Bruno8 introduz o termo “palinóptico” para descrever essa nova configuração do regime de visibilidade, onde as assimetrias de observação tradicionais são desestabilizadas. Nesse contexto híbrido entre vigilância e espetáculo, as ações de ver e ser visto adquirem significados associados à reputação, ao pertencimento e à admiração, conferindo à visibilidade um valor positivo e desejável.

O Instagram, um composto tecnológico que inclui câmera, tela, sistemas de registro, edição e classificação de imagens, desempenha um papel essencial na fusão desses múltiplos modos de ver e ser visto. Ele cria uma arena onde a vigilância e o espetáculo se entrelaçam, pois os usuários atuam tanto como apresentadores quanto como espectadores de imagens. Esses processos moldam as condições para a emergência do observador contemporâneo, que é o resultado de um sistema complexo de relações que abrangem o discurso, o social, o tecnológico e o institucional.

Esse observador contemporâneo não é apenas um espectador passivo, mas também um participante ativo na construção e exibição de narrativas visuais em um ambiente digital. A visibilidade, nesse contexto, não é apenas uma questão de exposição, mas uma ferramenta para a construção da identidade, para a conexão com os outros e para a busca de reconhecimento na esfera pública digital. Portanto, a fusão da vigilância e do espetáculo cria uma nova paisagem de observação e visibilidade, onde as fronteiras entre o observador e o observado são cada vez mais tênues, e a própria natureza da visibilidade é transformada em algo altamente dinâmico e interativo.

Assim, as redes sociais se estabeleceram como um território especializado para relações sociais mediadas por imagens, tornando-se um dos espaços privilegiados do espetáculo nas sociedades contemporâneas. Essas redes oferecem um cenário onde as imagens desempenham um papel central na construção e expressão da identidade, nas interações sociais e na busca por reconhecimento. Além disso, a intensa produção e consumo de imagens e informações nas redes também as tornam um ambiente propício para práticas de vigilância.

No que diz respeito às práticas relacionadas à vigilância distribuída no Instagram, elas englobam uma variedade de formas de observação que coexistem dentro desta plataforma de mídia social. Por um lado, os mecanismos de monitoramento digital alimentam a lógica de acumulação de dados, que Shoshana Zuboff denominou de “capitalismo de vigilância”. Por outro lado, ao lado dos modelos hierárquicos de monitoramento corporativo, existem formas de vigilância lateral. Isso envolve a vigilância exercida por um usuário sobre outro dentro da plataforma. Os próprios usuários do Instagram podem acompanhar e observar as atividades, postagens e interações de outros usuários, seja por meio de seguir perfis, visualizar histórias ou examinar suas postagens. Essa forma de vigilância lateral é, muitas vezes, mais pessoal e relacionada às dinâmicas sociais e de reputação na plataforma. Ambas as formas de vigilância são parte integrante da experiência dos usuários no Instagram, e essa coexistência de práticas
de observação reflete as nuances do ambiente de mídia social contemporâneo.

Dentro do cenário do Instagram, a título exemplificativo, os usuários participam ativamente das experiências cotidianas uns dos outros, adotando um olhar de observação que não segue uma hierarquia, permitindo que todos tenham o potencial tanto de observar quanto de serem observados. Nessa dinâmica, a vigilância não se restringe apenas aos aspectos de entretenimento, mas se converte em uma atividade intrinsecamente gratificante. Como resultado, os diversos aspectos da vigilância, incluindo o controle exercido pela empresa sobre os usuários e os próprios hábitos dos usuários ao monitorar tanto a si mesmos quanto os outros, se unem em uma experiência central nas interações dentro destas plataformas.

O cruzamento de microespetáculos e microvigilâncias na vida cotidiana confere à visibilidade um valor avaliativo significativo em termos de reconhecimento social e profissional. Nesse contexto de produção e consumo de imagens, a visibilidade passa a ser um ativo explorado por estratégias econômicas e publicitárias. Isso alimenta não apenas o mercado de dados, mas também uma forma de capitalização da visibilidade que depende tanto dos prazeres associados ao espetáculo quanto do desejo de informação inerente à vigilância. Esse fenômeno tem implicações profundas no comércio de influências, em que a visibilidade de indivíduos e marcas se torna uma moeda de troca valiosa em uma economia que valoriza o poder de influenciar as opiniões e ações dos outros. Portanto, a interseção entre espetáculo e vigilância no Instagram cria um cenário onde a visibilidade se torna um recurso econômico e social de grande importância.

Diante de tudo que se analisou, percebemos que exposição de si e o compartilhamento de conteúdo na internet transformaram profundamente a forma como nos relacionamos e percebemos o mundo ao nosso redor. A ascensão da Web 2.0 possibilitou que qualquer pessoa se tornasse sua própria mídia, produzindo, editando e compartilhando informações de forma descentralizada e fragmentada. No Instagram, em particular, essa dinâmica atinge um pico, e os usuários têm a liberdade de expressar uma ampla gama de temas e estilos estéticos, criando uma plataforma versátil que acomoda uma multiplicidade de propósitos.

A experiência de “seguir” não se limita a uma simples observação passiva, mas envolve ativamente a busca por informações sobre a vida do outro. As práticas de vigilância, tanto pelas empresas quanto pelos usuários, permitem diferentes formas de controle sobre as ações dos outros, dentro e fora da plataforma.

No entanto, essa nova realidade traz consigo desafios e implicações significativas. A exposição excessiva e a vigilância constante podem afetar as relações interpessoais e a privacidade. Além disso, a possibilidade de criar narrativas a partir das informações disponíveis pode moldar percepções e influenciar a maneira como vemos o mundo e as pessoas ao nosso redor.

Em suma, o Instagram e outras plataformas semelhantes representam a interseção complexa entre espetáculo e vigilância, na qual a visibilidade se torna um ativo valioso e uma moeda de troca na economia digital. À medida que continuamos a explorar e aprofundar essa nova realidade, é fundamental considerar as implicações éticas e sociais de nossas ações online, mantendo um equilíbrio entre a expressão pessoal e o respeito pela privacidade dos envolvidos.

1 RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Trad. Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 92-98.
2 DELLEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Perbart. São Paulo: Editora 34, 1992, p. 209-211.
3 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 14.
4 SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 483-483.
5 AUBERT, N; HAROCHE, C. Ser invisível para existir: a injunção da visibilidade. Tiranias da visibilidade: o visível e o invisível nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Fap – Unifesp, 2013.
6 SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 220.
7 DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
8 BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013.

Extimidade, vigilância e mercado de influências: repercussões no âmbito do direito à privacidade