A Indispensabilidade da modulação dos efeitos do tema 677: cautela necessária para garantir a segurança jurídica aos jurisdicionados
Por Clarissa Machado e Gabriel Melo
Não é novidade que, em dezembro de 2022, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça apreciou a proposta de revisão da tese firmada pela Segunda Seção no REsp 1.348.640/RS, sob a relatoria do saudoso Min. Paulo de Tarso Sanseverino, para definição se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor.
Se antes prevalecia o entendimento de que na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extinguia a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada; hoje, com a revisitação da tese, o Tema 667 passou a contar com a seguinte redação: “na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.
A Min. Nancy Andrighi, relatora do REsp nº 1.820.963/SP que levou à revisão do Tema, aduziu em seu dictum que “somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada“.
A nova redação, contudo, não aclarou se tal entendimento deverá ou não retroagir seus efeitos às demandas ora em andamento – ou mesmo àquelas que já encerraram a discussão em torno de valores –, afinal, trata-se de essencial análise que confere segurança jurídica e igualmente reforça a confiança do jurisdicionado.
Nesse sentido, deve-se ponderar que a Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN opôs embargos declaratórios contra o acórdão da Corte Especial e, especificamente em relação a modulação temporal, pontuou que apesar de constar da certidão do acórdão a prevalência de entendimento no sentido da não modulação de efeitos, não há no inteiro teor do acórdão uma menção sequer ao assunto, salvo no voto do Min. Og Fernandes que restou vencido no ponto, junto à Min. Laurita Vaz e ao Min. Herman Benjamin.
O recurso foi inicialmente incluído na pauta virtual do dia 04 de outubro de 2023, mas veio a ser retirado da pauta da sessão virtual para inclusão em julgamento presencial, viabilizando, assim, o acompanhamento da discussão entre os Ministros.
Longe de pretender adentrar no mérito da decisão firmada pelo STJ – até mesmo porque, como dito, o acórdão acabou restando omisso sobre o ponto em sua fundamentação –, parece que a modulação dos efeitos é a posição mais acertada.
Afinal, os argumentos submetidos ao STJ adequarão o texto do Tema 677 ao princípio do ‘tempus regit actum’ (art. 14, CPC), de modo que os atos processuais praticados em momento anterior ao da alteração do entendimento devem ser analisados sob a ótica do que se entendia o STJ à época.
E verdade seja dita, o próprio STJ1 – em precedente da Min. Nancy Andrighi, relatora do Recurso Repetitivo que alterou o Tema nº 677, inclusive – já se manifestou acerca da impossibilidade de as novas orientações da jurisprudência retroagirem em decisões que podem causar prejuízos à parte, que teve sua decisão julgada nos moldes da jurisprudência anterior.
Além disso, o art. 927 do CPC prevê em seus §§ 3º, 4º e 5º que na hipótese de alteração de entendimento pelos Tribunais, a possibilidade de “modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”, com a necessidade de “fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”, o que impede sua aplicação quando há evidente risco aos princípios elencados.
No caso em análise, parece não haver dúvidas de que fere diretamente o princípio da segurança jurídica que, depósitos judiciais realizados na vigência da antiga redação do Tema 677, sejam, agora, interpretados sob a ótica totalmente oposta, conferida após a recente revisão pelo Superior Tribunal de Justiça.
E, claro, não se pode perder de vista os efeitos que a ausência de modulação traz dentro de uma análise econômica decorrentes da alteração do Tema. Os dois bancos com mais depósitos judiciais são o Banco do Brasil S.A e a Caixa Econômica Federal, com aproximadamente 320 bilhões de reais depositados a esse título2.
Ou seja, em termos práticos, caso não haja a necessária modulação de efeitos do Tema 677, a decisão representará um impacto mensal de aproximadamente 3,2 bilhões de reais para esses dois bancos.
A ausência de modulação dos efeitos cria uma situação absolutamente crítica e sensível, na qual o devedor que, de boa-fé e amparado na redação anterior do Tema 677, proporcionou segurança de solvabilidade do crédito e provisionou seus riscos, é agora surpreendido com a alteração do entendimento para sentido diametralmente oposto que o levará à necessidade de realocar recursos e redimensionar riscos.
Embora os elementos acima ainda pendam de apreciação final pelo STJ, e perante os Tribunais locais o debate ainda seja embrionário, felizmente o TJSP proferiu recente acórdão no âmbito do Agravo de Instrumento nº 2189286-60.2023.8.26.0000, sob a relatoria do Des. Dimas Rubens Fonseca, à luz da revisitação do Tema 677, no sentido de afastar a responsabilidade do devedor e pelo pagamento dos juros moratórios e a correção monetária após a data da realização do depósito judicial. E isso porque:
“ao tempo da realização do depósito judicial vigia a tese anteriormente firmada pelo E. Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que o devedor agiu de acordo com a regra a ser obedecida, não podendo ser tomado de surpresa por alteração de entendimento. Destarte, inadmissível atribuir a este novo posicionamento efeito retroativo.”
A questão, entretanto, somente será pacificada após o julgamento dos embargos de declaração pendentes de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual deve ser acompanhado com cautela, em especial frente aos impactos que a modulação, ou não, dos efeitos trará para o mercado como um todo. E o que se espera, por todas as considerações elencadas acima e com o intuito de que seja observada a necessária segurança jurídica aos jurisdicionados, é que ao Tema sejam conferidos efeitos ex nunc.