Desvendando o Plenário Virtual do STF: reflexões e interrogações

Por Pietra Cardoso de Faria e Maria Dé Carli Zisman

No Supremo Tribunal Federal (“STF”), coexistem dois plenários distintos. O primeiro é o plenário presencial, no qual os ministros se encontram fisicamente duas vezes por semana, às quartas e quintas-feiras, para deliberar sobre os casos incluídos na lista de julgamento pelo presidente do tribunal. O segundo é o Plenário Virtual (“PV”), um sistema que permite aos ministros analisarem casos e emitirem votos de forma remota, por meio de uma plataforma online que está acessível a eles 24 horas por dia. Nesse sistema, as sessões são programadas para ocorrer semanalmente, começando sextas-feiras à meia-noite. O relator inclui o processo no plenário virtual junto com a ementa e seu voto e, a partir desse momento, todos os ministros têm um prazo de cinco dias úteis para registrar seus votos. 

O Plenário Virtual foi introduzido na Corte em 2007 com o propósito inicial de decidir sobre a existência ou não de repercussão geral em recursos extraordinários. Seu objetivo principal era reduzir o volume de processos encaminhados ao STF, aliviando a carga de trabalho no plenário físico e tornando o tribunal mais eficiente. Posteriormente, em junho de 2016, a utilização da plataforma foi ampliada para possibilitar também o julgamento de agravo interno (art. 317, §5º, RISTF) e de embargos de declaração (art. 337, §3º, RISTF).  

Embora o uso desse espaço virtual não seja recente, devido à pandemia da Covid-19, o Supremo Tribunal Federal decidiu ampliar a utilização do Plenário Virtual como parte das medidas de adaptação às restrições impostas pelo distanciamento social. Diante desse cenário, o debate acerca da relevância do PV no STF se tornou cada vez mais pertinente. 

No que diz respeito aos processos de controle concentrado de constitucionalidade, o STF opera com duas abordagens de decisão em paralelo. A primeira ocorre durante as sessões presenciais ou por videoconferência e é caracterizada pela tomada de decisões de forma simultânea. A segunda é o plenário Virtual e não é raro que os próprios ministros peçam destaque ou defiram o pedido de destaque das partes. 

O pedido de destaque, caso deferido pelo relator do caso, nos termos do artigo 4º da Resolução 642 de 2019, tem o potencial de prolongar significativamente o julgamento do processo, podendo adiá-lo por semanas, meses ou até mesmo anos. Além disso, ao contrário do pedido de vista, que possui um prazo legal para sua devolução (Art. 134, RISTF), o pedido de destaque não possui um limite estipulado no regimento interno do STF e pode resultar na anulação dos votos anteriores, ainda que já haja uma tendência de maioria em favor de uma decisão. 

Diante desse contexto, temos que ao utilizar do instituto do “destaque”, o julgamento tem um “reset”, de modo a recomeçar a análise, viabilizando um maior envolvimento de todos durante o processo de julgamento. Assim, se um dos principais propósitos do Plenário Virtual é acelerar o ritmo dos julgamentos, a reanálise pelos Ministros a cada pedido de destaque não resultaria em um processo mais moroso e repetitivo? 

É relevante destacar a possibilidade de uso estratégico do destaque por parte dos ministros e das partes.  

Além disso, aos ministros é permitido pedir a inclusão no Plenário Virtual de casos que tiveram dificuldade de pautar para julgamento no Plenário Presencial. A diferença é que aqui o Ministro consegue indicar a demanda e o Presidente, embora tenha a decisão final, pode se sentir mais inclinado a pautá-lo. Sobre o poder e a autoridade do Presidente da Suprema Corte, o professor Oscar Vilhena Vieira teceu as seguintes considerações:  

Uma coisa que a gente vinha criticando há muitos anos é o enorme poder que o presidente tem sobre a agenda do Supremo. Com o plenário virtual, esse poder ficou difuso e foi distribuído entre todos os ministros. O ministro não precisa ficar aguardando o presidente para colocar em plenário um processo de que é relator, se ele acha que é uma questão importante e o presidente não concorda, joga no plenário virtual. Isso é algo muito positivo do plenário virtual: a desconcentração de poderes do presidente” 

Em se tratando do assunto, a OAB, por sua vez, reconhece a importância da prerrogativa do contato da advocacia e da magistratura, principalmente com a realização das sustentações orais pelas partes que assim desejarem. Apesar de existir a possibilidade de sustentação oral no Plenário Virtual, esta não é realizada de maneira simultânea ao julgamento: os advogados, procuradores e/ou defensores devem enviar um vídeo contendo sua sustentação oral até 48 horas antes do início do julgamento. Esse foi um dos principais motivos que incentivaram o Conselho Federal da OAB a enviar um ofício ao STF reivindicando a retirada dos casos referentes aos atos de 8 de janeiro do Plenário Virtual, já que não houve concordância das partes pela definição da modalidade virtual. 

Inclusive, é interessante mencionar que tramita no Congresso Federal um Projeto de Lei (PL) nº 4759/2019, de autoria do ex-deputado Fábio Trad, que tem como objetivo alterar o artigo 18 da Lei 11419/2006, que regulamentou o uso do meio eletrônico na tramitação de processos judicial. A proposta de alteração é para que os julgamentos de casos criminais sejam realizados, obrigatoriamente, na forma presencial; e que nas ações cíveis o julgamento virtual se condicione à concordância das partes.  

Como se vê, tanto a OAB quanto o Projeto de Lei que está em tramitação no Congresso, assinalam a importância da expressa concordância das partes para que o julgamento seja realizado por meio virtual; diferentemente do que está acontecendo atualmente. No cenário atual, em que pese o pedido de destaque realizado pela parte para que o processo não seja julgado virtualmente, é necessário o deferimento do relator para que o feito seja retirado do ambiente virtual. 

Além disso, conforme anunciado recentemente pelo próprio STF, está previsto o desenvolvimento de um novo Plenário Virtual até o final do ano. Nesse ambiente, será possível acompanhar a inclusão dos votos e o horário em que foram proferidos, além de permitir que o relator paute os processos para até oito sessões futuras, em contraste com o sistema atual, que permite apenas a inclusão na próxima sessão. 

Desse modo, temos que por um lado, o Plenário Virtual tem a vantagem de tornar mais simples e rápidas as votações, bem como aumenta a autonomia dos ministros em relação às pautas. De outro, reduz-se o debate e a relevância da sustentação oral do advogado. Sem o convívio, o debate se torna mais impessoal e potencialmente mais “raso”.  

Se um caso pende de julgamento pela Corte Constitucional, é porque tem repercussão geral, ou efeitos erga omnis, e porque poderá impactar em direitos e garantias fundamentais ou decidirá sobre a liberdade de alguém em última instância.  

A relevância das discussões travadas na Suprema Corte convida a sociedade a refletir sobre a necessidade de equilíbrio entre a adoção de tecnologias digitais e a preservação dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.  

Desvendando o Plenário Virtual do STF: reflexões e interrogações