O novo “filtro de relevância” para admissão dos recursos especiais: os desafios da PEC nº 39/2021, ora em análise na CCJ da Câmara dos Deputados
O novo “filtro de relevância” para admissão dos recursos especiais: os desafios da PEC nº 39/2021, ora em análise na CCJ da Câmara dos Deputados
Por: Fernanda Rodriguez Faria e Gabriel de Melo
O ano de 2022 promete impor àqueles que pretendem submeter suas demandas ao crivo do Superior Tribunal de Justiça um novo desafio: o chamado “filtro de relevância”. Isso porque, no final do ano passado foi aprovada, pelo Senador Federal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 10/2017, também conhecida como PEC da Relevância, por meio da qual cria-se um novo requisito de admissibilidade aos recursos especiais. No momento, a PEC registrada sob o nº 39/2021, encontra-se aguardando parecer da relatoria na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.
Conforme explicado pelo Ministro Humberto Martins, presidente do STJ, “o objetivo da proposta é fazer com que o STJ deixe de atuar como terceira instância, revisando decisões em processos cujo interesse é restrito às partes, e exerça de forma mais efetiva o seu papel constitucional”[1].
A explicação da ementa da PEC é bastante clara no sentido de que “o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento”[2].
Ademais, a PEC prevê situações em que a relevância é presumida e, portanto, ensejam a admissibilidade “automática” do recurso. São elas, por exemplo, as ações penais; as ações de improbidade administrativa; ações cujo valor de causa ultrapasse 500 salários mínimos; ações que possam gerar inelegibilidade; quando o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante no STJ a causa também será considerada relevante; bem como outras hipóteses previstas em lei[3].
De fato, não se pode negar que nos últimos anos a Corte vem recebendo um número cada vez mais expressivo de recursos que a colocam em mera posição de terceira instância. A título de exemplo, somente no ano de 2018, o Tribunal julgou mais de 500 mil processos, o que representa, em números, 1.402 julgamentos por dia, ou, 58 por hora[4]. O Parecer Substitutivo aprovado da PEC 10/2017 dá conta de que “a expectativa do STJ é de que o filtro de relevância diminua em 50% o volume de recursos que chegam ao tribunal.”[5]
Em 2020, mesmo em meio a pandemia ocasionada pelo Covid-19, o cenário também não foi diferente. Foram distribuídos 354.398 processos à sobrecarregada Corte – uma média de 10.739 para cada um dos 33 ministros do STJ[6].
Busca-se a criação de filtro similar ao que já é imposto ao recurso extraordinário, que é a demonstração da repercussão geral que foi um requisito de admissibilidade criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, específico para a análise do recurso extraordinário e que auxiliou na redução do número do acervo de recursos remetidos ao Supremo Tribunal Federal[7].
O objetivo da PEC é claro: reduzir o volume de recursos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça, restringindo a atuação da Corte a casos que reflitam na uniformização da jurisprudência nacional e repercutam na sociedade, removendo a roupagem de 3ª instância apontada pelos defensores da proposta.
O Parecer Substitutivo aprovado da PEC 10/2017 dá conta ainda de que “a sistemática da relevância permitirá ao STJ superar a atuação como mero tribunal de revisão para assumir as feições de uma verdadeira corte de precedentes”. Quer dizer, “em vez de revisar decisões, estabelecerá o precedente vinculante, cabendo aos demais tribunais adequar suas decisões ao entendimento do tribunal de cúpula”.
E também não se pode perder de vista que a função constitucional da Corte é bastante restrita e regida por critérios objetivos. Até por conta desses requisitos, muitas vezes inobservados pela parte recorrente, é que a prestação da tutela jurisdicional esbarra no aumento do tempo de espera do julgamento do recurso, uma vez que a demanda necessariamente entra numa fila infindável de processos; o que, naturalmente, gera uma dificuldade invencível de manter a qualidade dos julgamentos, eis que não é exigível que um Ministro dê conta de apreciar, ainda que com o auxílio de sua assessoria, o número de vultuoso de processos que lhes são distribuídos.
Os Enunciados Sumulares têm sido grandes aliados do STJ no intuito de resguardar a competência da Corte e, por conseguinte, filtrar minimamente os recursos que de fato apresentam os requisitos previstos no inciso III do art. 105 da CRFB/88. Afinal, “sabe-se que as exigências à admissão de recursos excepcionais são elementos importantes para que estes meios de impugnação não se tornem uma outra apelação, o que acarretaria o esvaziamento do papel paradigmático do STJ”[8].
Nesse sentido, é de se saltar aos olhos que nem mesmo a conhecida “Súmula 7” tem dado conta de restringir o acesso ao Tribunal, ainda que esta se mostre um verdadeiro subterfúgio à inadmissibilidade dos recursos especiais – seja em segundo grau ou muitas vezes já em sede de juízo monocrático exercido pelo próprio Tribunal Superior.
A proposta, entretanto, gerou questionamentos por parte de juristas[9] que temem pela retirada da garantia de uniformidade da aplicação da lei nacional em todos os Estados pelo STJ sobrevindo um instrumento de viés subjetivo e não isonômico para a escolha dos recursos a serem julgados
Não obstante o cenário acima posto, do qual não se desconhece a importância, é preciso destacar que o novo requisito de admissibilidade não importa em um obstáculo ao acesso à justiça. Isto é, sob o argumento de que o novo filtro reduzirá o acervo a ser apreciado pelo STJ e, por consequência, representará um julgamento mais célere e qualitativo, seja permitido que o tribunal crie entraves ainda mais rígidos aos jurisdicionados.
Espera-se que o filtro de relevância não seja uma forma de hipertrofiar ainda mais a jurisprudência defensiva, posto que a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas, por si só, pode remeter a critérios subjetivos a priori. Em outras palavras, a boa intenção da norma, a fim de conferir inegável eficiência ao STJ, não pode vir de mãos dadas à limitação do acesso à Corte e à mitigação da primazia do julgamento de mérito prevista no CPC/15.
Se por um lado é certo dizer, em princípio, que a inclusão do novo requisito trará benefícios aos julgamentos que serão submetidos ao Superior Tribunal de Justiça, também é correto afirmar que o novo filtro exigirá da advocacia, pública e privada, uma técnica ainda mais apurada na elaboração dos recursos direcionados à Corte.
Com a volta à Câmara, a PEC promete trazer ainda muitos debates no judiciário e movimentar o dia a dia do jurídico contencioso.
[1] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/03112021-Senado-aprova-criacao-de-filtro-de-relevancia-para-admissao-dos-recursos-especiais.aspx
[2] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128403
[3] https://www.jota.info/justica/recursos-especiais-stj-restricao-recursos-04112021
[4] https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/dados_stj_2018_v3.pdf
[5] https://www.conjur.com.br/dl/senado-aprova-filtro-relevancia.pdf
[6] https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-desenvolvimento/pec-da-relevancia-traz-risco-de-inseguranca-juridica-02122021
[7] https://www.conjur.com.br/2021-mai-09/mecanismo-repercussao-geral-diminui-acervo-stf
[8] http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=d28a3097fa7cf63a
[9] https://www.conjur.com.br/2021-nov-04/pec-relevancia-institucionaliza-jurisprudencia-defensiva