Eliminando incertezas: a divergência interpretativa, no STJ, sobre a compensação tributária em embargos à execução fiscal
Por Ana Letícia Salomão e Ribeiro, Carolina Dinis Leonardo e Marcos Hausen Marchi
Há mais de uma década, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso submetido ao rito dos recursos representativos de controvérsia do artigo 543-C, do CPC/73, reconheceu o direito dos contribuintes de alegarem compensação tributária pretérita como matéria de defesa em sede de embargos à execução fiscal.
Na ocasião, o alcance do §3º do artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980) foi objeto de análise no Recurso Especial 1.008.343/SP (Tema 294/STJ), sendo firmada a tese de que a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento da execução fiscal, poderia figurar como argumento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da Certidão de Dívida Ativa. Isso se, à época da compensação, restassem atendidos os requisitos (i) da existência de crédito tributário compensável, (ii) da configuração do indébito tributário e (iii) da existência de lei específica autorizando a citada modalidade de extinção do crédito tributário.
Ocorre que, com base em uma interpretação equivocada do voto proferido neste julgamento, ainda é possível encontrar decisões imprecisas, o que traz imensa insegurança aos contribuintes, e contraria a lógica do artigo 926, do CPC/2015, de manutenção de jurisprudência estável e coerente.
A discussão foi retomada na medida em que a tese, que era pró-contribuinte, passou a ser interpretada pró-Fisco. Assim se abriu a divergência, com as duas Turmas de Direito Público do STJ interpretando de maneira diametralmente oposta os termos do mesmo repetitivo, ora aplicando-o em favor do contribuinte, no sentido de viabilizar a alegação da compensação em sede de embargos à execução; ora aplicando-o em desfavor do contribuinte, de maneira restritiva, sob o argumento de que a compensação passível de alegação em embargos à execução seria somente aquela deferida ou homologada previamente, pressupondo a existência de créditos líquidos e certos para tanto.
Contudo, a exigência de que a compensação prévia tivesse sido deferida ou homologada sequer constou no acórdão do Tema 294, levando a decisões proferidas em evidente contrariedade, principalmente pela Segunda Turma, com o entendimento sendo replicado por juízes e Tribunais.
Recentemente, a questão voltou à tona nos embargos de declaração em embargos de divergência (EREsp 1.795.347/RJ), nos quais o relator Ministro Gurgel de Faria reconheceu a existência, ainda que remota, de julgados em sentido diverso, sendo motivo suficiente para atribuir efeitos infringentes e tornar sem efeito a decisão embargada, a qual tinha entendido que a compensação indeferida administrativamente não poderia ser utilizada como matéria de defesa em embargos à execução fiscal.
Com isso, foram colocados em destaque a decisão monocrática proferida pelo Ministro Og Fernandes, da Segunda Turma, os acórdãos da Primeira Turma (AgInt em AREsp 1.054.229/RJ, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, AgRg no REsp 1.482.273/SC, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, AgRg no AREsp 217.561/PR, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho), bem como decisão monocrática proferida pela Ministra Regina Helena Costa, mantida pela Primeira Turma (REsp 1.708.875/RS), todos apresentando as diversas linhas interpretativas a respeito do alcance do julgamento do Tema 294.
A sistemática que envolve a compensação tributária não é complexa, e, ao longo de seu voto, seguido por unanimidade, o Ministro Luiz Fux se refere sempre àquelas efetuadas, sem diferenciar entre deferidas e homologadas, indeferidas e não homologadas. Dessa forma, limitar as matérias de defesa do contribuinte na fase de embargos à execução com base em interpretação extremamente restritiva de um precedente vai de encontro à lógica do sistema jurídico.
O futuro enfrentamento da matéria pela Primeira Seção do STJ é de sensível importância, uma vez que, ao mesmo tempo em que se uniformizará a interpretação a ser aplicada e seguida, despertará grande preocupação considerando o número elevado de ações tributárias que se originaram de compensações não homologadas na seara administrativa.
Prevalecendo a interpretação restritiva, será defeso ao contribuinte defender os preceitos de legalidade e de direito advindos de compensação feita na forma da lei, quando tal discussão for limitada ao âmbito administrativo. Isso, inclusive, caracterizará nítido cerceamento de defesa do contribuinte, até porque, por lógica, não será levado a discussão a compensação homologada pelo Fisco.
Quando a Lei de Execuções Fiscais foi editada, em 1980, a compensação tributária era autorizada pelo Código Tributário Nacional, porém, não regulamentada, o que poderia ser interpretado como um limitador à possibilidade de arguição de compensação em embargos à execução fiscal. Com o advento da Lei nº 8.383/1991, que autorizou a compensação entre tributos da mesma espécie, sem exigir a prévia autorização da Secretaria da Receita Federal, superou-se o impeditivo legal e passou-se a admitir a alegação da compensação já realizada. Portanto, o que se pretendeu combater foi a alegação de compensação futura, questão devidamente enfrentada no recurso repetitivo.
Desse modo, espera-se pelo reforço do entendimento sedimentado no repetitivo, uma vez que caso prevaleça tal interpretação pró-Fisco, o contribuinte ficará limitado à discussão de extinção de seu débito, objeto da compensação, na ação anulatória ou na repetição de indébito, penalizando-o, por ser meio processual mais oneroso para garantia do juízo, visto que impõe prévio depósito judicial de valores, na maioria das vezes, exorbitantes.