A importância do Compliance sobre as Relações de Consumo

Por Raphael Nunes Tavares* 

O Brasil foi especialmente impactado pelos acontecimentos da última década, mas por motivos diametralmente opostos: se o início deste período foi marcado pela euforia resultante da realização de grandes eventos internacionais (Copa do Mundo, Olimpíadas, dentre outros), os últimos anos vêm sendo estigmatizados por sucessivas crises, que determinaram uma resposta por parte do Poder Judiciário, cada vez mais ativo no combate à corrupção praticada por empresas e agentes políticos. 

Ambos os contextos foram determinantes para a emergência das discussões sobre a necessidade de implementação de programas de integridade e do conhecimento do conceito de Compliance, afinal o país precisou se adequar às pressões externas, ajustando-se a inúmeras diretrizes internacionais para corresponder às expectativas estrangeiras. 

Nesta conjuntura, se faz pertinente conceituar o tema, ainda que de forma breve: a expressão Compliance refere-se ao esforço em se adequar as imposições de ordem legal e interna, objetivando assim a redução das possíveis ameaças sobre os negócios realizados. 

O fato é que o tema se encontra em evidência, e as grandes empresas agora se esforçam para instituir os seus respectivos setores internos, objetivando a prevenção e detecção de riscos inerentes ao empreendimento explorado, além de almejarem uma hipotética “blindagem” contra a corrupção. 

Percebe-se, portanto, que a atual iniciativa se traduz em um movimento majoritariamente interno, ou seja, direcionado à própria empresa. A atuação do setor estaria, portanto, adstrita ao empreendimento realizado, numa versão limitada do conceito original. Esta realidade influencia inclusive o imaginário popular, sendo até normal que os menos informados identifiquem o Compliance como a área responsável apenas pelo canal de denúncias (geralmente disponibilizado através de uma hotline), ou ainda como um departamento integrante da auditória (o que seria um equívoco técnico). A verdade, no entanto, é que pouco se fala sobre a influência deste conceito para os agentes exteriores. 

Para além das vantagens que resultam do esforço em montar um programa de integridade efetivo, a atuação da área de Compliance pode (e deve) gerar efeitos sobre todos os envolvidos na cadeia de produção, até mesmo aqueles mais remotos.  Ao versar sobre estas consequências, percebe-se que não devem prevalecer sob uma lógica exclusivista, com abrangência restrita apenas ante os stakeholders e em especial aqueles denominados como “internos” (partes imediatamente interessadas, como acionistas, Alta Direção, assessoria jurídica, auditoria interna, etc), mas sim sobre toda a coletividade categorizada sob a denominação de “mercado de consumo”. 

O fato é que já vivemos sob a égide da Mass Comsuption Society (normalmente traduzida no Brasil como “Sociedade de Consumo”), o que significa que a nossa realidade é caracterizada pela necessidade do contínuo consumo pelas massas. Neste contexto, é de extrema importância que o compromisso ético buscado pelas empresas seja também direcionado à adequação da sua conduta perante os consumidores, afinal são estes que em última instância às mantém financeiramente saudáveis. 

Assim, não basta que as companhias detenham o conhecimento e promovam uma precária adequação do seu agir em relação à legislação consumerista: é preciso um engajamento genuíno dos envolvidos para que o ambiente corporativo valorize os preceitos inerentes ao Política Nacional das Relações de Consumo (prevista nos artigos 4º e 5º do Código de Defesa do Consumidor) e priorize a segurança  e o atendimento do público alvo, possibilitando o desenvolvimento de uma ainda almejada boa-fé objetiva no relacionamento com os clientes e tornando pertinente a ponderação sobre a seguinte questão: “qual a conduta esperada daquela empresa na relação de consumo?” (Breseghelo, Fabiola. Manual de Compliance, 2021). 

É a partir desta indagação que se percebe que o consumidor também é um elemento importante para a área de Compliance. Mesmo os esforços em prol do combate à corrupção estão relacionados, ainda que de forma mais remota, ao mercado de consumo, pois existe a expectativa de que os consumidores prefiram adquirir de empresas íntegras. No entanto, é certo que existem ferramentas mais direcionadas, como é o caso do serviço de SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) ou das ouvidorias, setores que nem sempre possuem o devido reconhecimento por parte das organizações. 

Ora, é desnecessário mencionar a quantidade de relatos que envolvem problemas relacionados com o pós-atendimento ao consumidor, algo já apresentado em centenas (talvez milhares) de reportagens jornalísticas. Ainda existe uma verdadeira cultura de descaso para com os clientes, afinal a dificuldade de resolução de problemas supervenientes à compra (e ao adimplemento) é as vezes algo veladamente incentivado pelas empresas, o que prejudica qualquer tentativa de valorização dos preceitos éticos que deveriam nortear a companhia, em especial daquelas em que já implementado um programa de integridade, e realça a condição dos consumidores como partes hipossuficientes e negligenciadas das relações jurídicas. 

É neste cenário que a problemática sob enfoque merece a consideração dos profissionais atuantes na área de Compliance: as grandes empresas devem ser incentivadas a demandar atenção e investimentos aos setores que lidam diretamente com os consumidores, e a alta direção deve ser motivada a ter um real comprometimento com a otimização dos canais de atendimento e em especial com as ouvidorias, que são a última instância de representação dos consumidores perante as companhias. 

Portanto, é necessário que os consumidores sejam priorizados e façam parte dos esforços de implementação dos programas de integridade e de governança corporativa, afinal a reputação de uma empresa não é medida apenas pela ausência de comprometimento em escândalos midiáticos: o relacionamento com o público consumidor é extremamente relevante para sua imagem, e existem cada vez mais ferramentas (como as redes sociais) para que estes expressem, de forma pública, o seu descontentamento, o que realça a importância da discussão deste tema, inclusive na seara jurídica. 

* Raphael Nunes Tavares é advogado do Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados 

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